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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

domingo, 9 de novembro de 2008

A Máquina

Lucas C. Lisboa Conforme as chaves giraram na maçaneta os estalos do metal ecoaram pela escadaria. Ao Chegar em seu apartamento, ele retirou seu chapéu e o seu casaco colocando-os sobre o manequim de olhos grandes e mãos solícitas. Seu cão o recebeu logo em seguida com ganidos e latidos pré-programados por anos e anos de evolução e labor. Seus dedos num estalo pediram as luzes para o ambiente e tudo se iluminou magicamente. Sua querida companheira das noites estava a sua espera contemplando-lhe o olhar. Era pela noite que realizava seu verdadeiro trabalho depois da rotina exaustiva e sufocante no centro da cidade. Todos os dias coletava um pedaço rachado daquela grande cidade. E o consertava com outros pedaços de outros fragmentos da grande e velha cidade. Não que os novos restaurados tivessem a mesma função que tiveram outrora mas ele se sentia muito bem de devolver a dignidade para aqueles prematuramente aposentados. E ria-se das propagandas da televisão que prometiam produtos maravilhosos. A sua frente tinha a mais perfeita máquina que lhe permitia possibilidades muito mais infinitas do que sequer sonharia aqueles sorrisos falsos e relatos mentirosos ditos na frente das câmeras. Ali sozinho eu seu apartamento, sem o olhar de ninguém, lera livros de "faça você mesmo", "Pequenos Reparos", "Mecânica de Automóveis", "Introdução à física" e "Química moderna". Com muito afinco estudou e aprendeu cada detalhe da arte do engenho. Aprendeu também, como as palavras tinham poder, com uma poetisa de não mais que dezesseis anos, para quem deu aulas de reforço de matemática. Escutara dela os nomes do parnaso, as vísceras do simbólico e até mesmo alguns segredos confessados pelo semitas. Seu propósito veio, no entanto, dos livros de sua ex-namorada, versada nos pincéis com uma queda para um misticismo e filosofia. Lhe contou da máquina imóvel, do grande engenho orquestrado pela exata concatenação dos eventos, da necessidade de ordem e também da Natureza decorando profundamente a citação "Deus sive Natura" do Bento tão querida por ela. Morava sozinho e ninguém visitava seu apartamento, não era de modo algum um exemplo de organização mas o que importava? Ambos se entendiam muito bem, ela ocupando os espaços com seu afã por crescimento e ele gentilmente podando-a aqui e ali conforme precisava alimentar a si e a sua máquina com sua própria produção ali armazenada. Por isso não se importou de escolher a sala de seu apartamento, no canto mais esquerdo e profundo, para ele montar sua máquina tão sonhada e elaborada por tantos anos de trabalho árduo. Estava muito satisfeito, conseguira ajustar todas as variáveis adicionando uma segunda fonte de alimentação para aquele motor. Seus rascunhos e ideias se casaram perfeitamente com toda a sortida colheita da cidade. Cada noite rendia pequenas preciosidades, pequenas partes de ordenação sobre tantas rachaduras. Cada uma com sua utilidade utilíssima que qualquer outro, exceto ele iria menosprezar logo no primeiro contato. E lá ficava ele trancado em seu próprio construir como zeloso carpinteiro do universo.

6 comentários:

Anónimo disse...

Pode até ser que os bloqueios de inspiração lhe façam bem.
Esse conto é um dentre seus mais valiosos escritos.
Continue.

Já adoro você. Muito mesmo, Lucas.

Beijos!

Átila Siqueira. disse...

Oi, vim te agradecer a visita em meu blog, esteja sempre bem vindo a me visitar quando quiser, fico lisonjeado com sua presença.

Respondo-te que não sei o que faz de meus versos um poema. Mas também não sei porque eles não seriam um poema. E também não sei muitas coisas, e as que acho que sei, ultimamente venho percebendo que não sei também. rs

Gostei muito do seu texto. Bem pós moderno, com um toque muito interessante de surrealismo, pelo menos ao meu ver.

Vou colocar um link para seu blog no meu para acompanhar seu trabalho. Gostei muito daqui.

Um grande abraço,
Átila Siqueira.

Monjh - Senhor dos Muitos Nomes disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Paulo Fernando disse...

Bela escrita. Bela história. Tens um futuro brilhante: seu presente.

Abraçossssssssss

Paulo Fernando disse...

Bela escrita. Bela história. Tens um futuro brilhante: seu presente.

Abraçossssssssss

Anónimo disse...

que ansiedade!!! pequenos trabalhos desenvolvidos lentamente ao longo de anos com o intuito de realizar pequenas tarefas...
bom texto! mexeu comigo... quase moro sufocada aqui..
bjo