-Calma lá! Eu vi primeiro. Sabe quanto me valerá esse tecido para o fazedor de livros? Será pelo menos três dias de pão para minha família.
-Você é um imbecil meu caro. Olhe essa cor vistosa! É um verde rubi de mais fina estirpe. Que importa se suas mangas estão poidas e seu acabamento não é mais o mesmo. Nas ruas escuras seu verde reluz o vermelho das lamparinas.
-Que me importa o quão reluzente seja? Me importo é com seu tamanho, ganho pelos palmos de pano que levo ao artesão. E esse casaco, tem forros internos, externos... É trapo que não acaba mais!
-Não o chame de trapos! É um design moderno, arrojado que acaba de cair em desuso na corte. Mas com os ajustes certos, a postura certa me faço em estilo e nobreza. O refinamento está na alma e em saber encontrar ouro onde os outros só vêem lixo.
-Chama de lixo meu trabalho? Seu verme vagabundo! Ganho com essas tralhas que ajunto o meu sustento. Melhor que você que escreve poemas e declama em troca de uma moeda ou uma caneca de vinho. Pelo menos meu trabalho não depende da caridade de ninguém.
-Meu caro amigo, não é isso que eu quero dizer. Mas a verdade é que dá para se viver no luxo só com o que se acha na porta da casa dos homens e mulheres direitos. São as melhores indumentárias, descartadas no afã da moda, os melhores adereços por terem sido ganhos do amante ousado e é claro até um quadro ou outro que fora dado por um parente que insiste em mecenar certos fracassados como nós.
-Não se iluda seu almofadinhas, essas roupa que usa, essa bengala, nada disso lhe faz parecer um dos que moram nas casas da avenida principal. Continua reles proletário, longe dos salões burgueses. Quando muito a Boemia pode abraçar. Somos de outra espécie de homem, bem mais baixos na cadeia alimentar.
-Vidrados no dinheiro, eles e você, não podem aproveitar a vida e nem o perfume da rosa. Veja aquela bela dama que atravessa a rua apressada, vê como é formosa!
-Pensa que me engana? Não levara meu trapo assim tão fácil. É tecido meu achado primeiro.
-Se o que queres é papel, tome cá esse livro. Pode vendê-lo ao artesão e ganhar mais moedas que ganharia com esse casaco.
-Me parece uma boa troca... Você deve ser louco! Trocar papel caro por um casaco sem valor.
-Cada um sabe o valor que dá ao que estima, esse casaco com certeza me ajudará a adentrar debaixo d'uma saia feminina.
-Seu lascivo! Isso lá é coisa que se diga na rua?
-Deixe disso, pare de me julgar pois agora vou-me indo atrás de um novo par.
-Mas espere ai! Isso aqui é uma bíblia! Como imagina que eu possa vender isso? É pecado!
-Pecado nada meu bom amigo, quando a fome a aperta Deus sempre está do nosso lado!
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