O quanto o conceito de arte enquanto dom atrapalha a percepção que nós temos do artista enquanto um sujeito que trabalha e merece ser remunerado pelo que faz?
Quando pensamos que o que o artista faz é um talento inato e que dispensa um esforço, estudo e treino passamos a considerá-lo como inferior e distinto das outra ocupações vistas como dispendiosas, cansativas e até sofridas.
Conseguimos enxergar o suor na testa do pedreiro, os anos de estudo de um advogado, as olheiras de plantão após plantão do médico. Mas o artista cujo trabalho passa por fazer com que sua obra soe natural, fluida, leve e de certo fácil é bem mais difícil enxergar as noites em claro do poeta com seus versos, a dor da bailarina que sorri enquanto dança, os ensaios exaustivos do ator antes do monólogo.
Seja sob o palco, na moldura ou dentro do livro o trabalho do artista de encantar seu público parece bem menor quando colocamos a culpa daquela beleza em um talento místico, em uma virtude inoculada por uma musa inspiradora.
Acredito que o conceito de talento inato é uma ficção muito perniciosa ao artista. Apesar de seu esforço muitas vezes dever ser escondido por questões estéticas na apresentação final da obra o mesmo não deve ser desmerecido e colocado como inexistente em virtude de uma "alma de artista" ou qualquer coisa que valha.
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