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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Vida


Vermes, em vossos ventres, vis vicejam
vão vagando famintos, verminosos
Vermes, em vossas veias, refestelam
virulências e vícios vultuosos

Vermes, que vos vomitam, vaticinam
vossa vontade vã e vossos vãos viços
virulentos, vazios, velhos que vingam
vagos vilões vilmente vos vividos

Venham ver, não vão passar d'uma aurora
vaga e vazia as vossas vastas vidas
num universo feito do inverso

Venham ver, vão passar num ir embora
voláteis visões das pessoas queridas
vagando voltando em prosa o verso



segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Noturno


toma-me com força
sou da chuva poça
de trocas veladas
e cartas marcadas

sonho que sou moça
de pele de louça
rara e bem cuidada
co'as roupas rasgadas

num toque faminto
por teus fortes dedos
nestes meus mamilos

mas, renego e minto,
seriam teus suspiros
nestes meus segredos?

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Entre a Igrejinha e o Terreiro


De nascimento sou Mineiro
de comida boa com alho e sal
além de doces sem igual
mas vivo no Rio de Janeiro

Não eu num sei tocar pandeiro
surdo, bumba ou berimbau
Mas curto a onda de carnaval
do mêsdmarço inté Fevereiro

Eu larguei meus mares de montes
por mais um por-do-sol no cais
e versos com novo tempero

Vim dos mais belos horizontes
dessas minhas minas gerais
presse tão sacro pardieiro!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Era pra ser um soneto..


Todos os dias eu travo
uma batalha sem fim
com as palavras
e o que elas querem dizer

com o que elas dizem pra mim
com o que elas dizem pra você

domingo, 20 de janeiro de 2013

Análise literária do soneto "Poeta do Hediondo" de Augusto dos Anjos


O poeta que se intitula Hediondo nos versos deste soneto descreve com riqueza de detalhes o que se passa em seu corpo.  É uma seqüência de detalhes que se assomam num estado de desespero que parece sugerir verso a verso um colapso do corpo, um ataque do coração, um desfalecimento e até mesmo o prenúncio dos seus momentos finais.

Os sons dentais das consoantes "d" e "t" auxiliam a sonoridade do poema a se apresentar como o tema de morte que finalmente surge ao fim do poema. Freqüentemente esses sons se encontram inclusive em posição de destaque sendo as sílabas tônicas de cada verso. Esses sons ecoam ao longo do poema prenunciando a temática fúnebre da morte.

Composto por versos heróicos o poeta demonstra uma capacidade única de domar o ritmo dos polissílabos. Feito raro na nossa poesia tão afeita a tijolos pequenos, o poeta aqui constrói não com azulejos o seu mosaico de versos e sim um castelo de sólidos e pesados componentes. A escolha dessas palavras faz parte do objetivo frio e certo do poeta, de uma poesia de ângulos agudos, de palavras diretas, onde muitos poetas floreiam e rodeiam o poeta em questão é direto, objetivo, científico.  A agudeza de seus versos, o tamanho das palavras que escolhe e a maestria que consegue adequar tudo isso ao metro canônico é um feito hercúleo de raríssimas similitudes na língua portuguesa.

É impressionante a conjugação de concreto e metafórico que o poeta alcança ao tratar de descrever sensações tão viscerais, é impossível não senti-las de imediato ao ler o poema, impossível não sentir em seu peito como seriam essas aceleradíssimas pancadas que abrem o soneto.  Os termos complexos nos fazem sentir entre a mesa de cirurgia e a de autópsia. Um clima de agonia e conflito que não se resolve e apenas cria mais e mais tensão.

Na primeira estrofe temos um Algo que desperta o sujeito poético Algo que dispara as pancadas do coração por ameaçar sua própria vida tratada aqui como existência em seu sentido mais orgânico. A mortificadora coalescência pode ser vista como a própria morte quando o organismo cessa seus processos fisio-químicos que mantém o corpo em funcionamento, é quando todos os elementos do corpo passam a se movimentar para se tornar um só, voltar para a decomposição final uma única unidade de matéria.

E tal processo de morte descrito é causado por algo além do mero infortúnio, é a soma das desgraças humanas, mas não se trata de uma mera soma, é um somatório com fim, objetivo e função. A congregação das desgraças humanas é uma visão de que esses males atuam num processo escatológico, um processo destinado. Há um vaticínio, uma má sorte guiando essas desgraças a fim de resultar no fim do Poeta do Hediondo.

Na segunda estrofe, em seu primeiro verso, é retomada a idéia do coração que bate forte e intenso, são cavalgadas em seu peito que os desnorteiam, que o fazem alucinar. E justamente nesse delírio de agonia surge na mente uma consciência. Uma culpa de um misticismo cientificista que atribui as suas neuronas despertas pela agonia a capacidade de antever seu futuro.

Pela medicina de sua época uma Sonda em seu cérebro é decerto que post-mortem ou por si mesmo uma forma de morte. Com os versos que o antecedem compreende-se que é uma clarividência uma visão de seu futuro à mesa de autópsia. Tendo, inclusive um diagnóstico, um vaticínio sendo a sua causa mortis a mais hedionda generalização do Desconforto. Notando-se aqui um ponto importantíssimo no uso de maiúscula para gravar o desconforto, há uma entificação desse sentimento. Ele é tornado um personagem dessa história maldita. Algo que acompanhou a tanto o poeta que se torna por si algo além de um mero sentimento mas também um Ente de sua narrativa e quem sabe até seu verdadeiro Algoz.

A última estrofe do poema soa depois de sua agonia, morte e autópsia como se estivesse escrita na lápide do poeta. Uma lápide daquele que rejeitou ou não teve como ter para si o consolo do lirismo doce de seus predecessores, que não acreditou no descanso do Parnaso e nem conseguiu fugir para o mundo Onírico do Simbolismo. É uma estrofe que descreve bem seu poema, marcado pela tangibilidade absoluta da carne,

Não se trata aqui da mera pedra do caminho tão cantada por poetas portugueses e brasileiros.  Mas dos ossos, reais e inegáveis. Não há nesses versos de augusta qualidade a possibilidade de imediata abstração, são sim os ossos é sim, a inexorabilidade da morte que está presente. É uma poesia de um vivo que antevê sua morte, que a sente em cada parte de seu corpo. Que canta para ela em Desconforto em uma agonia que se presentifica verso a verso e que nessa última estrofe tenta escapar pelo seu reconhecimento.

O POETA DO HEDIONDO

Sofro acelerassimas pancadas
No coração. Ataca-me a exisncia
A mortificadora coalesncia
Das desgraças humanas congregadas!

Em alucinarias cavalgadas,
Eu sinto, então, sondando-me a consciência
A ultra-inquisitorial clarividência
De todas as neuronas acordadas!

Quanto me dói no rebro esta sonda!
Ah! Certamente eu sou a mais hedionda
Generalização do Desconforto...

Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!

(Augusto dos Anjos -  EU E OUTRAS POESIAS)

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Danoso


Nas fotos eu a vejo
com um sorriso triste
de quem se faz tão feliz
quanto todos querem

Não sei mais o que bate
por sob seus belos seios
na camisola negra de dormir
nem se tem sonhos ou desejos

Sei que ela no seu quarto
ainda guarda o violino
que lhe dei com carinho

E dorme sobre sua cama
o urso de seu tamanho
escrito "Te amo" nos pés

domingo, 6 de janeiro de 2013

Ela


Vazio, medo, desamparo sem par
entre cacos das louças, panos, pratos...
tateia procurando o próprio lar
seguro e sadio do porta-retratos

Vela não encontra mas já sem ar
segura a lâmina tal amuleto
jeito perfeito de presentear
a sua dor com amargo sofrimento

Vaga, sozinha, perdida e estranha
seus olhos são um caudaloso rio
e queima frio seu coração e entranha

Vai segurando a faca pelo fio
morde sozinha uma raiva tamanha
que machuca seu lábio tão macio

Juventude


Voz um pouco rouca, 
não fique sozinha, 
com essas garrafas, 
de vinhos sem safras. 

a tua linda boca, 
que não é só minha, 
beija o corpo meu, 
que não é só teu. 


Obs: Poema de minha autoria publicado originalmente no Poesia Formada em 2004. Redescoberto por encontrá-lo sem autoria num blog qualquer, gostei muito dos versos até perceber que eram meus! Parafraseando meu mestre Quintana: "Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos."