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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

sábado, 16 de julho de 2022

Minha orquestra

Lhe dedilho o sexo
perfeito piano,
Dessas suas nádegas 
própria percussão,

Da boca e dos lábios
o meu saxofone
E seu corpo inteiro
o meu violão

Qual o seu gemido
em dó sustenido?

de lado, de quatro
de joelho o retrato?

que no ré lhe trago 
pro perfeito estrago

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Análise da Canção Ouro de Tolo de Raul Seixas


 Raul dos Santos Seixas, cantor e compositor baiano, nascido no ano da bomba atômica se definia como um canceriano sem lar. Era pois, um cronista ambíguo e contraditório em muitas de suas composições que aqui analisaremos sob a perspectiva econômica de sua época, O Brasil da Ditadura Civil-Militar ocorrida a partir do ano de 1964 cujo próprio término em distensão lenta e gradual Raul como seus espírito de mosca na sopa duvidava quiçá só para incomodar, quiçá para apontar ali uma ferida, um incômodo que seria mais conveniente ignorar.

O caráter monetário, concreto da natureza de seus versos  acontece desde o título de sua canção “Ouro de Tolo” do álbum Krig-ha, Bandolo! lançado no ano de 1973 durante o chamado Milagre econômico brasileiro período propagandeado pela Ditadura como de enorme pujança e prosperidade para o país.  Mas o Eu-lírico do autor inicia seu canto dizendo que:

“Eu devia estar contente

Porque eu tenho um emprego

Sou o dito cidadão respeitável

E ganho quatro mil cruzeiros por mês”


O devir, o dever ser inaugura o poema contestando a ética protestante da realização pelo trabalho, pois põe em cheque a certeza que o indivíduo respeitável por ter um emprego e uma renda, tenha em situação de alteridade a sua auto realização.  Na estrofe subsequente:


“Eu devia agradecer ao Senhor

Por ter tido sucesso na vida como artista

Eu devia estar feliz

Porque consegui comprar um Corcel 73”


O elemento religioso se impõe novamente e a realização da rima entre o mês e o sententa e três novamente demonstram como valores de realização primeiro o salário nominativo e em seguida um carro novo, do ano do lançamento do álbum denotando um sucesso financeiro que deveria ser garantidor do seu próprio contentamento e se esse devir não se realiza, se o eu-lírico não canta seu agradecimento, há uma dissincronia entre a expectativa capitalista de realização e o próprio anseio humano.


“Eu devia estar alegre e satisfeito

Por morar em Ipanema

Depois de ter passado fome por dois anos

Aqui na Cidade Maravilhosa”


Nesta estrofe impera novamente o devir e o incomodamento do eu-lírico se expande para um dos bairros símbolos do crescimento nesse período de um novo Rio de Janeiro, bem distinto daquele Rio antigo das crônicas do bruxo do Cosme Velho. Se Laranjeiras, Glória, Botafogo, Lapa, Flamengo são o pano de fundo das narrativas machadianas por serem os espaços frequentados pela elite carioca de sua época. Aqui, na obra de Raul seixas, Copacabana, Ipanema e Leblon assumem esse papel em um Rio de Janeiro que não é mais capital do Império ou da República, mas que mantém-se ainda como a meca dos artistas, para qual todos que querem colonizar seu espaço no mundo das artes devem migrar. E mesmo após passar fome por dois anos na Cidade Maravilhosa, o sucesso não basta para extinguir a alteridade do devir do eu-lírico. E o que era apenas devir se afirma como negativa nas duas quadras a seguir:

“Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso

Por ter finalmente vencido na vida

Mas eu acho isso uma grande piada

E um tanto quanto perigosa

Eu devia estar contente

Por ter conseguido tudo o que eu quis

Mas confesso, abestalhado

Que eu estou decepcionado”

A vinculação da felicidade ao sucesso financeiro apregoado pela ética capitalista é, para o eu-lírico uma piada, e pior, uma piada perigosa. Pois, apesar de ter conseguido tudo que quis é com espanto que ele se percebe decepcionado com essa promessa.  a partir dessas estrofes a uma mudança no tom dos versos pois o artista decepcionado deixa de apenas narrar o seu devir para lançar outras dúvidas e explicitar diretamente o seu sentimento de falta, onde as recompensas e realizações ofertados pela sociedade capitalista não  são o bastante para que ele se sinta pleno.

“Porque foi tão fácil conseguir

E agora eu me pergunto: E daí?

Eu tenho uma porção

De coisas grandes pra conquistar

E eu não posso ficar aí parado”


Neste momento de virada da canção, quando o compositor troca as quadras por uma sextilha vemos um eu-lírico que abraça a incongruência, o contraditório que não cabem no estreito espaço ético da sociedade brasileira que sob o milagre econômico que ao mesmo tempo oferecia carros do ano para o artista, que relembra a fome na Cidade Maravilhosa, mesma fome que matou mais de meio milhão de pessoas do mesmo pais na Grande Seca de 1970. E o questionamento “e dai?” remete ao imponderável, o abstrato que não cabe em 4 mil cruzeiros por mês, que não se concretiza em um corcel 73 e nem se negocia com vencer a fome tão distante de suas própria terra. E assim, esse eu-lírico se distancia daqueles protestantes weberianos que vão ao novo mundo fundar o capitalismo através da ética do trabalho.

“Eu devia estar feliz pelo Senhor

Ter me concedido o domingo

Pra ir com a família no Jardim Zoológico

Dar pipoca aos macacos

Ah! Mas que sujeito chato sou eu

Que não acha nada engraçado

Macaco, praia, carro, jornal, tobogã

Eu acho tudo isso um saco”


Após a sextilha o compositor retorna ao esquema de quadras e enquanto nas quadras iniciais o eu-lírico aparecia em um questionamento do seu devir, no que devia ser mas não se realizava, sem contudo, expressar seu contentamento, neste par de quadras vemos  a tensão da primeira quadra ser resolvida na segunda. O devir da primeira é negado em seguida. e retoma os elementos das quadras anteriores quando do terceiro verso da segunda estrofe. Pois nem os macacos do Jardim Zoológico, nem a praia de Ipanema e muito menos seu corcel 73 aliviam o vazio que não se preenche com as recompensas por ser “um dito cidadão respeitável”

“É você olhar no espelho

Se sentir um grandessíssimo idiota

Saber que é humano, ridículo, limitado

Que só usa 10% de sua cabeça animal


E você ainda acredita

Que é um doutor, padre ou policial

Que está contribuindo com sua parte

Para o nosso belo quadro social”


Pela primeira vez o eu-lírico se dirige para o interlocutor, despejando seu próprio descontentamento no outro que vê como um espelho, como também pertencente ao “nosso belo quadro social”  Elenca àquelas profissões fundamentais nessa estrutura, ao mesmo tempo que os lembra que são animais, seres limitados e que a despeito das conquistas, das contribuições ainda permanecem carentes de significação, de objetivos maiores que só se realizam dentro das expectativas limitadas e limitantes dessa sociedade.  E tal processo acaba por  guiar o interlocutor para o fechamento da canção.

 

“Eu é que não me sento

No trono de um apartamento

Com a boca escancarada, cheia de dentes

Esperando a morte chegar


Porque longe das cercas embandeiradas

Que separam quintais

No cume calmo do meu olho que vê

Assenta a sombra sonora dum disco voador”


Para se distinguir dos seu interlocutor o eu-lírico nega a posição do dia de domingo, de ser mero espectador de sua vida conquistada, de suas próprias pequenas e burguesas realizações, refere-se a “um apartamento” de maneira indefinida pois a vida de seu habitante é igual e genérica como a de tantos outros habitantes, cidadãos respeitáveis que dormem em seus sofás de boca aberta sem mais expectativas, sem sonhos de mudanças. Mas em sua última quadra o eu-lírico canta acerca do imponderável, de um lugar longe do sonho burguês de uma casa com cerca e quintal, tal qual um filme americano. Fala daquilo que está na margem da visão, em seu ponto mais calmo, uma sombra sonora, uma sinestesia que torna o extraterreno a solução para quando a realização protestante da redenção pelo trabalho oferece apenas o material mas não desfaz o mal-estar existencial. 

Sob a égide de um Milagre econômico que só satisfaz uma pequena classe média, o Brasil de 1973, tem fome, tem miséria, tem tortura e opressão que não são maquiados pelos números econômicos, que a ficção monetária não consegue ser verossímil para quem já passou fome. Em uma canção onde os elementos autobiográficos ressoam temos um migrante nordestino percebendo que a promessa de prosperidade é falseada e falseável. Que não há bilhete premiado que garanta a felicidade além das recompensas ofertadas para o bom trabalhador. 


terça-feira, 5 de julho de 2022

Tempos melhores

Quero magia, cor e cenas
pra toda boca que beija
Bang bang só nos cinemas
retomados das igrejas
Bibliotecas eu prefiro
do que esses clube de tiro