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O poeta Lucas Lisboa, de 26 anos, vende seus poemas no metrô
Ter um produto em mãos e sair por aí vendendo pode ser algo comum pra muitos empreendedores, mas quando esse "produto" é a poesia e o empreendedor é um artista, a coisa muda de figura. Para eles, o senso comum de que o Brasil não se interessa tanto pelos textos em versos não existe. Prova disso é que alguns destes trabalhadores autônomos das letras já chegaram a vender 35 mil livros em menos de dois anos. Uma prova de que eles conseguem, sim, viver de sua arte.
Há exatos 30 anos, o poeta Rogério Salgado, 58 anos, traça roteiros de caminhadas em Belo Horizonte e na Região Metropolitana para vender os livros que faz. Dessa vez, o bairro escolhido para esta entrevista foi o Padre Eustáquio, onde o autor já cultiva leitores. A tática dele é simples: abordar apenas comerciantes nas lojas. A explicação também é: "Eles já estão ali para atender o público. Ao bater na porta, a dona de casa pode estar ocupada, fazendo o almoço. Incomoda".
Na primeira loja, uma distribuidora de doces, o poeta vende o primeiro livro, sempre a R$ 10. Surpresas aparecem ao longo do caminho. Uma mini-biblioteca nos fundos de uma relojoaria é uma delas. "Aqui aparece todo tipo de pessoa vendendo coisas, obra de arte, essas bicicletinhas de arame para enfeite. Esse é um produto mais intelectual", pondera o proprietário da Relojoaria e Joalheria Tinkan, Osvaldo Lino. Ele compra o livro de Salgado e o posiciona na estante, entre um exemplar de Malba Tahan e um livro espírita.
Mais adiante, mais vendas, na ótica, na loja de roupas... "Ser poeta é a minha profissão. É o meu trabalho e eu acredito nele", resume Rogério Salgado. O autor calcula que já tenha vendido mais de 20 mil livros. O ano inicial dessa contagem é 1982, quando publicou "Tontinho", seu livro de estreia.
Outro exemplo de autor que se encarrega da produção e comercialização de seus livros é Lucas Lisboa, 26 anos, conhecido como "O Poeta Sobre Trilhos". No blog www.srpersonna.com.br ele expõe sua crença de que a poesia não pode ficar restrita somente às bibliotecas, aos saraus e livrarias.
Antes de publicar "O Poeta Sobre Trilhos" estudava filosofia e trabalhava como professor, em BH. Hoje, vive no Rio. "Tudo começou quando ia de Duque de Caxias até a universidade, de trem. Nesse percurso, tem venda de tudo nos vagões: ferramentas, CD, sabonete, meia ortopédica. Aí eu pensei, por que não poesia?".
Desvalorização mercadológica prejudica poesia
O autor faz livretos que já totalizam 14 números – cada tiragem é de 2.500. Ou seja, 35 mil livros vendidos em dois anos de atuação no trabalho. Quase um autor best-seller, se comparado com a vendagem convencional de títulos.
"Consegui furar a fila do mercado editorial. É um público que eu nunca teria na internet", constata Lisboa que se apropriou do formato de livreto – que tantos poetas como Glauco Mattoso, Chacal e Waly Salomão já utilizaram – e o adaptou para a grande escala do público dos vagões: "São cerca de cem livretos vendidos por saída para os vagões do metrô".
Mercado pode faltar, mas a criatividade para distribuir poesia, não. Há seis anos, o projeto "Pão e Poesia" estampa versos em pacotes de pão em BH e SP. "Até agora, foram distribuídas quase 1 milhão de embalagens", observa o idealizador do projeto Diovani Mendonça. "A partir do século 20, houve uma espécie de desvalorização mercadológica da poesia, afirma a pesquisadora em Poéticas Contemporâneas Vera Casa Nova. Ela diz que as publicações de autores novos também é rara. O que vende são os chamados "canônicos", autores como Drummond e Cecília Meireles. "Isso é grave, é uma diminuição da capacidade de pensar", lamenta Vera.
Há autores que apostam nas performances ou veem a internet como alternativa para a distribuição de sua obra. "O jeito é fazer isso mesmo. Muitos outros poetas, hoje com nomes consagrados, pagaram para serem publicados. Hoje isso continua".
Autoria: Elemara Duarte - Do Hoje em Dia
Fonte: http://www.hojeemdia.com.br/pop-hd/literatura/poetas-percorrem-as-ruas-de-bh-e-vendem-seus-livros-diretamente-1.61006