Publicação em destaque
Poeta e apenas poeta
Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
No ponto de ônibus
- Porquê?
Pego completamente surpreso respondo de pronto:
- O quê?
E não contendo o riso ambos se entreolham e eu
digo:
- Porquê?
Mais que depressa ela responde:
- O quê?
Há mais gente conosco naquele ponto, pessoas transitando esperando sua condução para a cama, afinal, era dia de semana e já estava de noite.
Para nós a noite só estava começando e numa troca infinita de porquês e oquês todos ao redor do ponto simplesmente se afastam.
Isso quase nos assusta e intimida, mas no fundo o gosto do proibido, do desafio, do surreal e do divertido nos convence a continuar:
-Porquê?
-o quê?
-O quê?
-Porquê?
O onibus amarelo finalmente chega e esquecemos disso no processo de pegar passagem, procurar lugar, se sentar e tudo mais. Mas bastou sentarmos para que ela virasse para mim em tom de desafio e perguntasse novamente:
-Porquê?
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
de core
A cor desses olhos seus
sei não menos que de cor
São eles dois sonhos meus
me corando o coração
Pintaria até os ventos
pelo meu sangue curtidos
guardando nossos momentos
tal nas catedrais os vidros
Decoraria meus ateus
pensamentos com as cores
rubras coronárias com deus
coroando nosso grilhão
Tingiria sentimentos
nos bordados coloridos
por deleites quinhentos
de desejos bem floridos
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
A pirâmide de um homem
Queria que seu castelo de cartas tocasse o teto da sala de jantar. Era, sem sombra de dúvidas, um projeto ambicioso. Não lhe impediria os tantos baralhos ou mesmo as mais de mil horas de labor dedicado e cuidadoso.
Terminada sua obra, de tantas cores e motivos estampados, encheu-se todo de vaidade e seu ego ficou ainda mais ardoroso: uma pirâmide em tamanho real. Ele a construiria do solo até rasgar o céu e o firmamento luminoso.
Não contava, porém, que ao colocar a última carta, a pirâmide se faria mármore e se cravaria, firmemente, no tecido azul. E, muito menos, que do chão se elevaria para ficar dependurada, com toda a brancura de um lustre, na sala de jantar.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Terezinha Vaz Lisboa
Esse é um pedaço da história da minha avó, contada por ela, recontada por meus tios e uma parte realmente vivenciada por mim, conto com emoção e sem muita preocupação com nada mais que relatar o que senti e vivi nos quase vinte anos que essa história de desenrolou.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Poeta e Artista
Eu tanto lhe espero
não é porque tenho
mas sim porque quero
nós dois num desenho
Feito com esmero
por você tão minha
que nega o sincero
desejo que aninha
Em seu, e meu, sonho
que de tanto vinha
por nosso medonho
de ficar sozinha
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Agonia? Seu desejo...
Pois quer muito mais que nada
quer ser abusada e usada
por mim como mia pequena
serva de carne serena
Quadras Quebradas
Pedidos já não nos cabem
pelas recusas sem fim
Eu temo que não acabem
as culpas dentro de mim
Não se esqueça dos irmãos
sonhos tão nosso e carmim
Lembre-se de minhas mãos
seguras em ti pois sim
Porque pede pra pedir
se dar-se deseja assim
Porque nao vem-me a sorrir
se desejosa está enfim
Deixemos o sapato jogado
Lembremos da fita de cetim
Vamos regar com cuidado
um sonho bom e não ruim
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Quebrado
Eu adoro coisas faltando
pedaços onde o inteiro
que se esperava tanto
não falta no pardieiro
Eu sou d'algo faltando
meu olhar não é certeiro
e a perna esquerda mancando
me dá um ar mais fateiro
Como xícaras quebradas
servindo de copos pintados
é minha morta esperança
Minhas ilusões viciadas
meus sonhos despedaçados
compõe minha nova dança
sábado, 2 de janeiro de 2010
Férreo Ferro
O fazendeiro de pregos
plantava com seu martelo
pra colher enferrujados
regava com muito esmero
Queria bem avermelhados
os pregos do seu castelo
para ferir os descuidados
em seu banquete singelo
E para fechar as portas
da comilança sem cela
ou arreio há as cordas
Comida era farta e bela
com os parafusos, porcas
e uma ou outra arruela
sábado, 26 de dezembro de 2009
Pequena Marionete
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
VITAE
Dê adeus a esse passado,
que tanto lhe faz o mal!
Dê adeus ao seu deserto
que feito é de puro sal...
Respire o cheiro do assado
de temperos sem igual!
Aprecie, sinta mais perto
o nosso fogo vital.
Ao redor dessa fogueira
somos uno p'lo secreto
na clareira da floresta
Pois somos a vida inteira
presos, no torto e no reto,
a viver o que nos resta.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Instantes
dois pares de calças
atracam-se vorazmente
num xadrez chuvoso
duas xícaras sem alça
bebem o café fervente
num dia nebuloso
o par numa valsa
danca deliciosamente
no terceiro, o gozo
o rijo pau reluzente
num labiar fogoso
sábado, 19 de dezembro de 2009
Quadras d'espada
Sangrando o ar com sua espada
o cavaleiro sustenta
sozinho pela lembrança
dos beijos da bela amada
Não baixa nunca sua guarda
em uma luta sangrenta
contra as sombras dessa herança
que lhe ergue e lhe mata
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Em Cena
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Troca de farpas (ou olhares)
Eu nunca vou entender
se você nada dizer
suas palavras caladas
não me dizem nada
Eu sequer irei saber
se você nada fizer
contra essas minhas mancadas
achando certa as erradas
respostas que já me deu
ou são totalmente falsas
nossas caras pretensões?
Apostas altas no ateu
não santifica as vidraças
tão frágeis dos corações
domingo, 6 de dezembro de 2009
Para a eternidade
Foge a sordideza
do diabo a vitória
da tamanha grandeza
dos homens na história
Com maior justeza
vivendo da glória
toda uma realeza
bebe em sua memória
Guerreiros de espadas
sagradas em sangue
e carne divinos
Co'as vistas cegadas
que marcham no mangue
e brandam os sinos
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Noite, madrugada, manhã, tarde
Cigarros sem filtro em dias tão cinzentos
tosse, choro e pesadelos quinhentos
fazem sorrir sem culpa ou pudor
eu, que velho por dentro, sou senhor
Mais um trago em copos lamacentos
na praça da estação de movimentos
estranhos que lhes causariam horror
se tão bêbado não estivesse seu suor
É belo um rato a correr pro esgoto
entre carros e crianças frenéticas
que vagueiam sem rumo pelas ruas
É belo um homem sujo e mais que roto
c'olhos desejando as pernas atléticas
das jovens que bem imagina nuas
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Menestrel de Vidro
Eu queria um coração de aço ou vidro
Inquebrável e frio ou se partido
quebrasse em vermelhosos, vis, cristais
contado dessas mil dores ou mais
O de aço pesa tanto que duvido
que poderia guardar em mim ferido
ao peito co'essas dores tão abissais
que carrego nas crateras pulmonais
Eu queria ter nascido todo de aço
tal Donzela de Ferro que se faz
segura na luz fria do seu vestido
Eu queria que não houvesse um espaço
pra essas dores, de poeta mordaz,
se esconderem em meu canto sorrido
Convidados
Derrotei os exércitos de Deus,
dos deuses e com todas as mil feras!
Sangrei o mar em busca desses réus
com os seus pesadelos e quimeras!
Cansado direi eu aos filhos meus
que fui capaz de lhes domar as terras
desde o horizonte até tocar os céus
sendo O cavaleiro a guardar por eras
Minha morada é de fato verdadeira
segura erguida sobre a pedra inteira
pela fé de um sonho que de luz cega
Cheguem em meu palácio de cristal
nem só de mármore se faz meu sal
há também o vinho e o pão na adega
domingo, 29 de novembro de 2009
Enlace
Envolta em laços de seda
ela se volta fremente
Sendenta pra que suceda
o fetiche mais envolvente
Pela paixão que lhe enreda
vem o gemido eloquente
de cada curva e alameda
do seu corpo e de sua mente
Sao minhas fitas carmim
que lhe domina e cega
É pois atada por mim
que toda apenas se entrega
Ao prazer que nao tem fim
que nao foge e nem se nega
sábado, 28 de novembro de 2009
Estilística
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Nós
Iamos caminhando sem pressa
Tendo um destino guardado
Assim pelo menos pensávamos
Langüidamente aprisionados
Apaixonados e jurados
Além de nós nada havia
Lugares, coisas, pessoas
Víamos e não ligávamos
Entre um beijo e caricia
Suor escorria em delícia
Muitas, outras e várias
Apesar de tanta fome e querer
Recusávamos juntos o comum
Igualmente fugíamos do banal
Ansiosos éramos e a cada
Novidade que saciávamos
Outra surgia sempre
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Rasgos em flor
Lingua ferida, espinhos afiados
Carne rasgada, cornos adornados
com paixão sangram ambos e padecem
do desejo que os deuses não esquecem
Ninfa de flores nos mamilos cálidos
Sátiro com seus chifres tão dourados
com fome se devoram e se ferem
numa dor deleitosa que eles querem
A cada corte, o beijo lhes encanta
curando-os nas suas fomes sem fim
entre bem quistos gozos e lamentos
O sangue das feridas, rega, espanta,
encharca de vermelho o jardim
em que deitam amantes tão sedentos
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Flores: para além da areia, onde há o mar.
Era chamado de Fauno naquelas terras áridas, onde as areias beijavam o mar e o mar fazia delas seu par perfeito para navegar nas ondas. Nessas terras havia um encontro muito singular entre as areias e o mar, um lugar onde bailavam lentamente e onde desse lento bailar nasciam flores de pétalas brancas. Eram pétalas de régia beleza que não precisavam senão daquela dança mágica para se nutrir.
Ele sorria ao se lembrar que foi um convite seu que iniciou aquele baile, há tanto tempo que não se lembrava mais, foi numa outra terra distante dali, que desposou, com a Fúria de um Sátiro, uma Ninfa de pele de cobre.
E em seu desposar sanguíneo cobriu seu corpo de flores mais belas que conseguira compor em seus versos de profundo amor. Cada verso escrito com o suor e sangue de ambos fazia nascer uma flor.
Caminhavam felizes pelos bosques, pelas terras desconhecidas, por lugares nunca antes desvendados, não sem sacrifícios é claro, seu sangue era o preço que cada nova morada cobrava. Mas era intenso, era perfeito e também dolorosamente completo.
Mas chegaram ao mar, que naquela época pouco se importava com as areias. E ela quis se banhar, ou ele quis que ela se banhasse, não se lembrava mais só se lembra que ela partiu para o meio do mar e desapareceu.
Só que ele não podia entrar naquela água, suas patas de bode com toda certeza se derreteriam caso tocassem o mar, era um acordo antigo que havia feito, que poderia correr toda a terra mas jamais tocar no mar.
Com ela perdida em meio ao mar ele se lamentou com as areias que também sentiram falta da Ninfa que a tanto bailava junto ao seu Sátiro sobre elas. As areias então desejaram o mar, desejaram profundamente voltar ao baile de outrora.
E foi esse novo bailar que criou aquele mangue, que não era areia nem mar, mas que o Fauno podia caminhar sem medo de que pudesse se afogar. Não demorou para que o mangue começasse a dar flores, flores nascidas daquele bailar e flores que outrora estiveram presas ao corpo de sua amada Ninfa.
O Fauno caminhava por aquele terreno novo e perigoso, zelando pelas flores que nasciam, em parte fruto de seu amor e outra parte frutos de sua maldição. Era com seu próprio sangue que as nutria numa esperança vã que elas fossem lá onde a Ninfa se encontrava entregue ao sabor das ondas.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Outra
Meu apartamento enorme e abundante
com seus vazios estrategicamente
colocados nos cantos que me evita
olhar tais pesadelos de um artista
Se lhes digo sim ou não doravante
não cessam seus artifícios de amante
com sonhos ruins seguidos tão à risca
que surpreende cegando mia vista
Nada resta depois de tantos tragos
apenas se acomoda o pior momento
de minha paz feliz mas insincera
Sobram os meus afagos vis e amargos
que mordaz ofereço tal lamento
pra fiel e felicíssima cadela
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Cura-me
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
O fantoche depois do palco
Vem boneca de trapos o meu peito
ferir como quem ri mui docemente!
É meretriz que tem todo direito,
de fazer sentir tal niguém se sente!
Desfia cada pedaço ou trejeito
que dolorido for mais conveniente!
Só não esqueça do velho de respeito:
do mestre que guia sua linha habilmente....
Sua lágrima por arte não envolve
e seu choro tão forte não comove;
seu riso e o seu pranto são iguais!
Sua sátira de sorte não me atinge
e seu odor de morte não me aflige;
quer apostar quem é que fede mais?
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Suas lágrimas
Tenho olhos chorando sangue
minh`alma fedor de mangue
É sua carne meu fetio
o mais doce e mais macio
terça-feira, 3 de novembro de 2009
O Pianista e a mão de Bronze
Depois de mais uma exibição do Pianista que agora era somente o melhor Esgrimista Real. Ela foi tomada pela ambição de resgatar aquela mão que era bela demais para estar tão mal cuidada. Seu ourives favorito que lhe construía os objetos mais estranhos foi incumbido de fazer uma substituta para a troca.
O Ourives escolheu o cobre, por sua maleabilidade, para servir de carcaça e pequenos diamantes para substituir a proteção quitinosa das unhas humanas. Depois de meses trabalhando nos detalhes aquela mão de cobre era plenamente eficiente e refinada para os movimentos e toques mais precisos e delicados.
Ela sabia que orgulhosamente o Pianista sempre rejeitaria tal troca insana, por mais que ela prometesse que ele poderia então confiar novamente numa mão direita. Sabia que o ego dele não permitiria tal troca de bom grado. Ela então foi atrás de quem poderia fazê-lo.
Foi em uma noite que do estrangeiro chegou, um ladino de talentos e lendas assustadoras, que já roubara o brilho dos olhos de uma princesa e também ganhara, numa aposta contra a morte, um manto que lhe mantinha invisível frente aos olhos de todos aqueles que enxergam. e foi na mesma madrugada que o ladino, pelo preço de uma sonata composta exclusivamente para sua glória, adentrou nos aposentos do Esgrimista dentro da área mais nobre do Palácio Real.
O Pianista estava deitado confortavelmente em sua cama mantinha mas o seu braço direito se pendia para fora da cama pois aquela vil mão direita não tinha o direito de dividir com ele do conforto dos lençóis de linho. Com o artifício de certos emplastros e poções, que trazia consigo dos Alquimistas de turbantes, o Ladino conseguiu facilmente roubar aquela valiosa mão direita e substituí-la pela belíssima arte do Ourives escondida igualmente pela luva de couro.
Foi na mesma noite que a Compositora recebera em sua casa mais uma para a sua coleção, era um exemplar de rara perfeição, porém desgastada por tantos maltratos. Ela lhe poliu as unhas, sarou as queimaduras, curou cada chaga e cicatriz malfadada para só então embebê-la em rum e especiarias para que jamais perdesse sua beleza e forma tão caras e perfeitas a ela.
Demorou muito tempo para que o Pianista percebesse a troca, ele jamais sequer tirava a luva sob a qual escondia sua indigna mão. Foi num dia em que esquecendo-se dela o alto do corrimão rasgou-lhe a luva. Também só parou para olhar pois ficara preso na escadaria e não sentindo dor contemplou o brilho do cobre e dos diamantes que se passavam por entre o rasgo.
Olhou espantado para essa nova mão direita, notou que seus movimentos não eram os mesmos que tinham depois do seu erro. Eram precisos, graciosos perfeitos e a harmoniosos. Estava numa manhã onde tudo que tinha eram as aulas para o príncipe mais novo do Rei. E isso agora iria esperar, correu ao piano da sala de estudos e começou a tocar.
sábado, 31 de outubro de 2009
Donzela de Seda
O sabor adocicado,
eu tenho e jamais o nego!
Mas ele está bem guardado:
oculto pelo meu ego...
Sei até o que faço errado:
ao mau hábito me apego.
Tendo o corpo maltratado
se de raiva fica cego...
Eu até gosto de espinhos,
pois realçam o perfume
da flor que traz para mim.
Eu me dou bem com carinhos:
do punhal de fino gume
vindo a me cortar enfim!
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Terror no Play
Menina zumbi tão terrível
tem uma fome animal
se antes era mordível
agora a sua é mortal!
Uma nina tão sensível
virou um bicho do mal
devora a barriga incrível
com tripas e visceral
Devora tudo num segundo
com sua pequena boquinha
roendo ossos toda vida
Ao ver um mendigo imundo
ela come bem bonitinha
sangrenta e apodrecida
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Donzela de Ferro
A fria Donzela de Ferro
teve sua doce vingança
ao me cravar um eterno
espinho com ar de criança
A fria Donzela de Ferro
no seu abraçar avança
mias carnes até o inferno
que tortura e não se cansa
Sou monstro vil que pune
tão bestial, impensado
pior que verme ou rato!
Mas está sob o seu gume
algo bem mais engendrado
é maldade em puro ato!
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Depois da aula
A doce mocinha
morrendo de medo
no parque sozinha
esconde um segredo
Espera prontinha
por seu namorado
co'a pele branquinha
e olhar abaixado
balança e se aninha
num riso calado
co'a face quentinha
e lábio molhado
Seu segredo vinha
num moço malvado
que lhe fez putinha
de muito bom grado
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Terça-feira
Dia longo absurdo maldito infernal
De fato sou culpado pra tanto mal?
Se fosse, ao menos, teria uma paz
No prazer do mal feito que me apraz
Sei que não sou perfeito ou igual
ao principe de um conto de natal
Nem venho co'as boas novas que ele traz
e o fogo comigo se liquefaz
Eu só queria uma princesa rota
para dançar comigo toda valsa
mesmo que de nota desafinada
Eu só queria ter só mais uma gota
de chumbo derretido para a falsa
verdade que me faz alma penada
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Tentáculos atacam
Tentáculos e Correntes
tomaram o Colegial
são cem Jovens inocentes
gozando via Anal
Monstros e Aliens indecentes
pevertendo sem igual
Mestres de malvadas mentes
na nova Escola Sexual
com a Diretora enrabando
o velho do Zelador
e a Professora chupando
o dedão do Professor
Tudo que vão aprender
é Trepar até morrer
Notas de página (Rascunho
Um elogio, a quem tivesse sua autoria, pessoalmente seria impossível. Porém, tal elogio fizera-se indispensável ao novo leitor. Que, encantando pela bela e feminina grafia, deixou seu recado docemente elogioso logo abaixo das linhas cursivas que se tracejavam ao lado do corpo tipográfico. Seu elogio nao era nada menos do que uma quadra de versos em redondilha que o leitor aprendera justamente pelas anotações que a glosadora fizera.Ele pretendia ficar mais tempo com o livro mas num lapso esqueceu-se de renová-lo e quando o devolveu a biblioteca para pegá-lo noutro dia não o encontrou.
Alguém o havia pego e esse alguém era ela. Já fazia alguns anos que brigava em meio as letras, palavras, ritmos e sons da poesia. Auto-didacta vasculhara bibliotecas e mais bibliotecas até encontrar aquele tratado completíssimo sobre Versificação. Tinha desde pequena o mal hábito de anotar suas ideias, impressões e descobertas nas beiradas dos textos que lia, uma forma de fixar, de indicar onde havia parado e principalmente a mantinha sempre escrevendo, grafia que era um prazer à parte para ela. Fazia quase um ano que tinha decorado linha a linha daquele livro, porém fora convidada por um feliz acaso a contar como funcionava essa tal de poesia clássica e insegura voltou para sua tábua de salvação de tantos anos.
terça-feira, 22 de setembro de 2009
adeus
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Romântico
-Vai diz que me ama
e depois me beija?
-Não, mas se levante
e pegue a cerveja.
domingo, 6 de setembro de 2009
Sonetilho engavetado
Não menos malditos sejam
os meus pérfidos poemas
meus versos que não almejam
tédio e rimas amenas
Na terra seca vicejam
rascunhados sem pudor
que se fazem e rastejam
sem um único leitor
Guardo tudo sem encanto
nem sobrado ou palacete
é onde meu lirismo vive
Escrevo pois eu não canto
nem engano com falsete
uma voz que nunca tive
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
Eu odeio loja de roupa
Quando tinha por volta dos meus dez anos , já morava aqui no Santo Agostinho e minha mãe me levava para brincar no campo do atlético pois era aberto ao público e ao lado da minha casa. Porém , numa determinada manhã que íamos para lá qualan não foi nossa surpresa ao descobrirmos que o campo tinha sido vendido e que lá iria seriA construido um shopping? Sim, lá seria construído o Diamod Mall.
Nos tempos que se passaram eu realmente fiquei empolgado com essa história, afinal num shopping teria fliperama, cinema, Mac Donalds, fliperama e quem sabe até uns circos e parques que nem tinha no Del Rey, Minas e no BH! Dois anos depois de fechado e muito barulho na vizinhança não é que o Diamond fica pronto , mas para minha profunda decepção não é um shopping só de roupas? Sim! milhares de lojas vendendo roupas que não eram de meu interesse, roupas chiques, feias, para adultos! Nada de Fliperamas, só o Hotzone caro para caralho! E muita, muita loja de roupa! E nisso começou a nascer minha antipatia pela lojas de roupa.
O Diamond virou assim um shopping que eu ia só para tirar dinheiro e almoçar no domingo quando não tinha nada de comer lá em casa. Passou um tempo e ,não contentes em ter um shopping só para elas as lojas de roupas ,começaram a comprar e reformar as casas ao redor do Diamond, uma loja de noivas ali, uma outra de vestidos de festas por aqui e foi assim até que compraram o Amarelinho!
Meu bar/restaurante favorito que ficava numa esquina A só um quarteirão da minha casa e servia até bem tarde e tinha garçons amigáveis. Era um dos meus lugares favoritos de passar para tomar uma, sentar com o pessoal e fazer aquela boquinha de madrugada. Mas as lojas de roupa O compraram ele e o transforam, num requinte de crueldade, em um anexo todo fechado da loja de roupa que era ao lado! Aquela esquina de toldo amarelo agora era toda um muro grande e branco, muito sem graça , diga-se de passagem.
Agora, tomando meu bar favorito, eu realmente comecei a não gostar dessas lojas de roupa! Mas meu ódio por elas só se consolidou essa semana. Estou passando uns tempos na casa de meus amigos e lá acabei assumindo o papel de dono-de-casa e como tal fui à feira porque eu adoro pizza, sanduíches e comidas prontas , mas meu estômago reclama depois do terceiro dia vivendo À base delas... A dois quarteirões de lá tinha um açougue e um sacolão a preços não muito bons, porém ,tão perto assim, não havia nada nem sequer parecido. Mas minhas surpresa foi grande demais ao passar pelo sacolão e ao procurar o açougue e descobrir que ele virou sabe o que? Sim! uma maldita loja de roupa!
Como diabos alguém transforma um açougue numa loja de roupa? Isso é muito descabido! Não faz o menor sentido! E são todas aquelas lojas de roupas chiques, sempre vazias , sem ninguém dentro! Algumas até com interfone para se entrar... Toda vez que eu vejo uma dessas não consigo deixar de pensar que se trata de uma loja de esposa entediada e bancada pelo marido para que ela não o perturbe muito. "Vai lá meu bem, toma esse cheque em branco e monta sua loja" não contentes em simplesmente comprar quilos e quilos de sapatos, bolsas e coisa e tal.
Agora essas senhoras estão invadindo Belo Horizonte com suas lojas que só ocupam espaço! Ficam lá dentro aquelas vendedoras arrumadinhas, sorridentes e completamente sem o que fazer , ou porque eu nunca vi uma viva alma dentro delas. Sim, eu tenho raiva, tenho ódio dessas lojas de roupas que me roubaram o campinho de futebol, tomaram o lugar do meu fliperama e agora até mesmo o açougue! Eu odeio loja de roupa.
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
O Trio que chegou II
Celo, Lú e Eu
Celo, Lú e Eu
Um trio da pesada
cabou de chegar
Celo, Lú e Eu
Celo, Lú e Eu
Um trio da pesada
só pra variar
Eu já entediado
Ela bem modesta
Ele bonachão
Eu meio quadrado
Ela já desperta
Ele pancadão
terça-feira, 25 de agosto de 2009
As quadras d'ela
Vem q'eu te quero querida.
Vem q'eu te quero atrevida!
amarrada em minha cama,
para mais de uma semana!
Vem q'eu te faço perdida,
de mim não cabe fugida!
Vem q'eu te faço nirvana,
cá donde meu gozo emana!
nos braços de morte e vida
Vem q'eu te pego ferida...
no meu ardil que te engana
Vem q'eu te pego com gana!
em minha sala servida
em meu quarto deglutida
Vem q'eu te tomo uma dama
Vem q'eu te tomo putana!
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Sem nomes na estrada
O sátiro ainda espiava o doce banhar da ninfa quando foi surpreendido pelos efeitos do excesso de vinho. Logo ele, tão habituado a esbórnias muito mais desregradas, bebera demais naquele dia ou havia algo de muito singular acontecendo ali.
E conforme o corpo da bela ninfa se erguia das águas tão calmas daquele olho d'água o sangue que corria pelas veias do sátiro, fumegante pelo álcool, lhe subia à cabeça. Nesse instante ela se assustou com o barulho da garrafa se partindo contra o tronco da árvore que se encontrava ao lado do sátiro.
Todo o corpo da ninfa se congelou quando o descobriu fitando-lhe com um agressivo olhar desejoso. Tentou correr mas as mãos dele, ávidas e belas, foram bem mais velozes do que sua mente, traída pelo seu corpo, poderia reagir ou negar-lhe.
As mãos fortes dele a tomaram com extrema e hábil avidez, toda a ebriedade dele propiciava os movimentos mais seguros e perfeitos para tomá-la para si. Porém num lapso de consciência ela se debateu tentando livrar-se daquelas mãos brutas daquele bruto ser que tentava apossar-se dela. E tal debater se tornou o motivo perfeito, não para soltá-la mas para instigá-lo ainda mais em sua fúria obstinada que crescia sem rédeas dentro dele.
Segurando-lhe pelos pulsos fez dos dedos dela dedos as primeiras vítimas mordendo-os como se avisasse por esse ato o prenúncio do que estaria por vir. E inesperadamente ela, ao sentir a primeira pontada de dor caiu-se num êxtase incomensurável e indescritível entregando-se assim àquela fúria satírica que a dominava inteiramente.
Com aquela em mãos deixou-se saciar todas as fomes e sedes naquele corpo que fez questão de desnudar inteiramente. Rasgadas as vestes se ocupou demoradamente naqueles lábios tenros e apetitosos, naqueles seios que sem dúvida foram moldados para o encaixe perfeito de suas mãos e naqueles cabelos que tão bem serviam para guia-la ao seu bel prazer.
Dentre aquelas coxas teve todos os prazeres que poderia ter o requinte e a devassidão de desejar e em seu dorso degustou, com seus dentes, aquelas carnes tão macias. Por toda a longa noite deixou suas marcas naquele corpo, alternando pelo seu vil deleite os momentos de prazer, descanso, dor e delírio.
Quando acordou e a viu ao seu lado ainda não se lembrava do que acontecera exatamente e muito menos sabia qual era o nome dela que jazia dormindo profundamente entre seus braços. As lembranças vieram aos poucos conforme velou por alguns instantes o seu sono.
Percebeu que ela vestia apenas uma de suas fitas vermelhas, em laço e ponta, ao redor de seu pescoço e também notou como todo o corpo dela estava profundamente adornado pelo que ele tinha certeza que se tratava das marcas de suas garras e dentes.
Sorrindo ele soube que ela acordaria não menos do que faminta. D'um cesto trouxera frutas em calda de chocolate, o vinho ele deixou de lado a noite já tinha tido vinho em demasia. Mas sem sombra de dúvida as frutas recobertas lhe fariam bem.
Tão diferente quanto a conhecera ele a acordou gentilmente com leves carícias em seu rosto e como bom dia lhe ofertou aquelas frutas. Os olhos da pequena brilharam faiscantes e sem muitos pudores abocanhou-as diretamente dos dedos dele. Não satisfeita porém não se deteve enquanto restava alguma calda espalhada naqueles dedos.
Se trocaram nomes foi mero acontecimento, não sabiam se novamente se veriam, não sabiam sequer o que de fato tinha acontecido. E o sátiro a levou para a trilha mais movimentada que poderia levá-la para casa uma vez que confusa ela só queria voltar ao lar e adormecer de verdade.
domingo, 16 de agosto de 2009
Pequena rocha
Quiseramos ser perdidos
Nossos versos, nossas trevas.
Os trouxemos escondidos
Nós temos um santuário
sagrado em nosso nome
e tenho, ainda, o sudário
de nosso suor e fome
domingo, 9 de agosto de 2009
Pela fome amada
Ele chegou com uma caixa de Mousse au Chocolat para sua amada. Sabia de sua tara por doces e principalmente por chocolates. A textura cremosa com certeza lhe cairia bem ao paladar.
Pediu, para não contrariar o clichê, que fechasse bem os olhos enquanto apertando bem um tablete dirigiu seus dedos envoltos de musse e chocolate até os lábios dela.
Decerto que ele conhecia bem o segredo daquela pequena de cabelos cacheados e olhos castanhos, de sua tara por mãos e chocolates. Não poderia haver idéia melhor do que juntar ambos.
Com as mãos de chocolate chegando bem perto de seus lábios não pôde recusar o impeto e todos os dedos devorou com voracidade. Ele sequer percebeu a dor que era para ter sentido. Estava encantado demais em observar a fome e a volúpia que tinha provocado.
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
ERRATA
Quem for ler não se deslinha
É lá na segunda linha
onde lê-se "vou poeta"
entenda bem: "sou pateta"
quarta-feira, 29 de julho de 2009
Alma de Poeta?
Faz muito que escuto essa história, essa balela pseudo-romantica e modernosa. Um poeta nasce poeta? É preciso graça divina e nenhum esforço para verter lindas palavras?
Francamente! Dizer isso não me soa como nenhum elogio! Eu não passo dias treinando, estudando, aprendendo sobre as possibilidades estéticas da lingua portuguesa para que todo meu esforço seja creditado a "minha alma de poeta".
Tal qual um músico aprende a tocar seu instrumento precisando muito treino para dominá-lo inteiramente. Um poeta deve aprender a dominar o metro, aguçar sua capacidade de criar rimas e eufonias, aprender a trabalhar concormitantemente linguagem e som. Qualquer um escreveria divinamente com o devido tempo, contanto que dedicasse o devido tempo de estudo e persistisse no seu intento.
Discordo que a mera inspiração seja capaz de criar um poema perfeito. Há uma sensível diferença entre um autor que rabisca as primeiras linhas, o autor que já escreveu cem sonetos e o autor que é versado em divesas formas e metros.
Não que o caminho clássico seja o único capaz, evidentemente é possível se atingir expressividade plásticas, sonoras e líricas para além do classicismo. Porém tal não se dá também num rompante, um poeta transpira ao fazer seu poema e dizer que ele sai numa vertente única e divina...
Francamente! Nenhuma arte funciona assim! E deixar que acreditem que tal é verdade só desmerece o trabalho do poeta, do artista. Dizer que qualquer um faz de qualquer jeito uma obra maravilhosa faz com que toda a obra perca seu valor.
"Porque do metro?" me perguntam frequentemente. A Versificação é todo um conjunto de estudos que lhe ensina a compreender melhor a relação intrincada entre linguagem, ritmo e som. Ela permite que se identifique com maior clareza e habilidade os melhores momentos e as melhores posições que as palavras irão assumir num verso de modo a causar a maior extesia possível.
Com o estudo e treino da arte versificatória o escritor adquire flexibilidade e dominio léxico, amplia enormemente seu próprio vocabulário e não é pego com tanta facilidade num abismo onde nenhuma palavra se encaixa.
Decerto que a versificação não pode ajudar o poeta no que ele vai dizer, no conteúdo intrinsceco de seu discurso, mas vai, sem a menor sombra de dúvida, auxiliá-lo na melhor forma de dizê-lo.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Vermelho de Chão, Vermelho de Bucha
Joelho ralado e vermelho,
não de meu sangue aos montes...
mas do mesmo barro velho
cá dos belos horizontes!
Choro e escuto o conselho:
"Banho fim-de-férias antes!¨
Retruco mas me aponta o bedelho:
que tem barro até nas frontes!
E diz a vó, no fogareiro,
quentando ao pé da serra:
"que apenas caminha quem erra
quem tropeça na montanha
de terra rubra e estranha
do ferroso formigueiro!"
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Comunidade Científica Adverte
quinta-feira, 2 de julho de 2009
Galanteio
Quero voce nesse frio
com duas garrafas de vinho
Com céu limpo, lua ao cio
e nas nuvens nosso ninho
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Filho Pródigo
Digo: Saudades não tenho.
Sou, ao menos, orgulhoso
demais pra dizer que tenho
de outro tempo saudoso!
Mas eu nem sei se eu convenho
em dizer que sou desgostoso
da terra que digo e venho
praguejando por troça e gozo!
Cidadezinha pacata;
é dessas que ninguém morre
e dessas que ninguém mata!
Cidadezinha de porre;
se o fim-do-mundo desata...
eu quero ver quem socorre!
terça-feira, 16 de junho de 2009
O seu engenho amado
Solitário como era não tinha amigos muito próximos, não era convidado para as festas e era alérgico a animais. Seu apartamento cheio de livros e ferramentas lhe acolhia com resignação e indiferença.
Viveria assim durante tantos anos sem se incomodar com aquela suave paz de sua morada mas um dia quando a consulta ao dentista atrasara mais do que o costume pegou um romance açucarado com a secretária tornando sua espera menos tediosa.
De volta a seu apartamento sem os cisos e com uma semana de licença se pôs a colocar seus estudos em dia: Todos aqueles livros que devia ter lido, todos aqueles artigos para revisar e todos aqueles protótipos ainda por terminar.
Cheio de ânimo estudou por dois dias naqueles silêncio tão propício a máxima concentração. Mas, no terceiro, incomodou-lhe todo aquele ambiente sepulcral, cansou-lhe seus assuntos tão sérios que tratava.
Quis então se distrair, ocupar-lhe a mente com algo mas todos os seus livros, papeis,ada fitas eram sérios demais. Nada havia ali sequer parecido como aquele banal romance da secretária, que julgara tão bobo, simples e pueril.
Não podendo ler o romance que devolvera crítico e desdenhoso. E sem coragem de ir até a banca mais próxima e passar pelo vexame de ser visto comprando literatura barata. Decidiu-se por viver ele próprio seu romance.
De tão inteligente, científico e hábil que era decidira que construiria sua amada com seus protótipos inacabados.: um braço mecânico, um modulador, olhos de lentes digitais e uma sorte de pequenos inventos, de funcionalidade duvidosa, que adornavam com seu peculiar gosto toda sua morada.
Tudo foi perfeitamente arquitetado a partir de um livro de anatomia humana (que comprara por engano certa vez). A construção fora bem simples, após concluso o projeto, seu intelecto formidável lhe enchia de orgulho a cada pequeno progresso. Terminara todo o processo em menos de quarenta e oito horas de trabalho ardoroso e frenético.
Quando terminada, não se continha de excitação frente sua amada construta com quem viveria o seu maior e mais perfeito romance. Um último ajuste precedeu o toque ligeiro em seu interruptor bem escondido atrás da orelha.
O corpo dela inteiro tremeu, sinal da inicialização do delicado sistema programado em seu interior, e ao abrir os olhos seus lábios esculpidos em látex abriram um enorme sorriso e disse olhando nos olhos dele: Papai.
Metafísica
Refuta-me e me desvela
pinta-me para sua tela
sem a tinta nem carvão
sua puta sem coração!
Trova pseudo-filosófica e pseudo-poética
Pois o Hades não é geográfico
nem Alma um corpo sutil
nada cabe o verso Sáfico
nem é Heróico seu ardil
quinta-feira, 28 de maio de 2009
Minha querida
quinta-feira, 14 de maio de 2009
sábado, 9 de maio de 2009
da morte amada
minha querida e ingrata
porém lasciva consorte
que tão suave me mata
quinta-feira, 7 de maio de 2009
segunda-feira, 4 de maio de 2009
Os Barbeiros de Lorena
Adentrei à barbearia do meu chefe. Ele tinha seus olhos todos já cobertos pela névoa do glaucoma. Limpava cuidadosa cuidadosamente o balcão, a cadeira e seus instrumentos de barbearia quando, no momento meus pés dentro pisaram, disse a mim sem se virar:
- Os óculos estão sobre o armário de metal.
Eu, ainda assustado com seus velhos hábitos, só consegui responder:
- Sim senhor.
Dirigi-me então até o referido que se encontrava mui empoeirado (contrastando assim com todo o resto da barbearia que reluzia) e lá não encontrei os óculos que me foram indicados. Impaciente com minha demora o Barbeiro Chefe caminhou até onde estava e bem na linha dos meus olhos evidenciou os óculos que solicitara.
- Tenho uma nova missão para você meu jovem e mesmo que tenha chegado agora a Lorena terá que partir no mesmo trem que lhe trouxe.
- Mas meu senhor, temo que as notícias que trago serão... - Interrompendo-me no meio o Barbeiro entregou-me os óculos e então abriu a primeira gaveta que deslizou com todos os rangidos e gemidos que tinha direito. De lá do fundo retirou uma enorme pasta marrom-amarelada.
- Cá está tudo que precisa saber, dentro de uma dezena me mande notícias da Gália, notícias boas eu espero. - O Barbeiro, sem me dirigir novamente a palavra ou sequer inclinar o rosto em minha direção, adentrou nos aposentos dos fundos da Barbearia e fechou a porta atrás de si e fez ressoar o ferrolho enquanto eu ainda estava ali de pé, com a pasta em minha mão e sua silhueta esguia passando através do vidro embaçado da porta à minha frente.
- Mas que diabos! Porque faz tudo assim da maneira mais difícil? - Sacudi a cabeça como um cão para afastar se não a água da chuva pelo menos as gotas de frustração daquele encontro.
- Mais trabalho e nenhuma resposta! - Sorria atrás de mim Iasmim com seus olhos negros, enormes e brilhantes.
Nós caminhamos durante a tarde por toda Lorena afinal o Barbeiro não queria me ver mais e minha volta antecipada só poderia acontecer após o crepúsculo.
Iasmim fez questão de me mostrar todas as suas incríveis descobertas no mercado central e nas lojas escondidas no beco pirata. Encantou-me o engenho de um certo artífice que na mesma peça juntara o sortilégio do soco inglês, a mortalidade da pólvora e a fineza da lâmina Suíça. O adquiri depois de regatear, pechinchar muito com o próprio artífice, por duas coroas (metade de todas as minhas economias).
Sentamos-nos num café para descansar as pernas e os braços depois das compras tão longas afinal não é todo dia que se tem uma guia daquela competência e astúcia.
-As notícias que me chegam de Alsácia são fascinantes meu caro Iacob! É verdade que o audaz, para não dizer louco, Engenheiro conseguiu alçar aos céus sua nau à vapor? - Iasmim perguntou-me em tom de sussurro travesso.
-Exatamente minha cara! Eles trabalharam com muito afinco nos últimos invernos. E tire esse olhar que eu conheço bem. Esse é um souvenir grande demais para que lhe traga como mimo! - Ri bebericando um pouco do chá das índias.
-Mas quem disse que o quero assim inteiro? Já ficaria eu feliz com os papéis. - Sorrindo-me com os olhos que não me deixariam nada recusar.
-Está bem, verei o que posso fazer depois de resolver essa pequena pendência - disse enquanto apontava para a pasta que o Barbeiro havia me entregue.
-Sabia que não ia recursar um pedido de sua irmã favorita! - Me mandando um beijo pelo seu lenço.
Peguei-o com delicadeza e guardei-o junto ao peito quando então olhei o conta-tempo e vi que em pouco mais de um ciclo partiria meu trem. Apressado me despedi de Iasmim deixando com ela dois cetros para pagar nosso café.
- Leve-me à Tabacaria Sant'ana - pedi ao jovem condutor védico que com presteza guiava seu coche a vapor afinal mesmo atrazado jamais poderia eu deixar de aproveitar a qualidade dos fumos adocicados que só ali valiam seu peso e não me custariam um pequeno reino.
Pelo caminho vi como a cidade onde renasci crescera desde minha última visita, estava em toda a vida, movimento e passagem. Os cavalos alados, as damas de vermelho, os pequenos malandros agora conviviam com os frades inventores, os navegantes de ferro e os taberneiros-mestres. Cada sobrado uma loja fenomenal, cada luz um espanto afinal a eletricidade era novidade ali em Lorena.
Comprado o fumo apressei meu passo pois um quarto de ciclo era o que me restava para por meus pés dentro do vagão. Mas não foi meu grande espanto quando a Estação já não estava mais onde eu esperava? Simplesmente havia desaparecido, pensei que havia errado ou me esquecido daquele bosque entre a Sant`ana e a estação.
Caminhando pela trilha dei-me com um pequeno casebre com mesas do lado de fora e bebidas servidas por um alto sátiro que me encarava com um sorriso tão convidativo que me fez aproximar e inquirir:
- Cá não deveria ficar a velha estação?
- Meu caro amigo barbeiro, o senhor está certíssimo. Mas nessas novas épocas permutamos com a estação depois do crepúsculo. - disse o sátiro enquanto me servia uma taça de seu odre.
- Mas como? Nada havia sido me dito! - respondi aceitando sua taça por educação.
- Bom meu caro, só posso lhe dizer que foi uma excelente negociação. Mas desejar mesmo ir é só dizê-lo em voz alta
- Dizer “desejo ir à estação” basta? - perguntei levemente intrigado com a novidade.
- Exatamente! Não é de uma simplicidade incrível esses engenhos estrangeiros? Mas antes de ter chamado sua carona deveria ter se dado conta que seus papéis estão voando. - apontando o dedo para atrás de minhas costas.
Olhei mais que depressa vendo um caminho de folhas amareladas e nas minhas minhas mãos a pasta entreaberta. Desesperado corri para apanhá-las conseguindo pegar todas menos aquela que continha seu rosto pois quando ia alcança-la vi-me dentro do vagão, já muito bem acomodado em minha cabine privativa.
sábado, 4 de abril de 2009
Detalhes Preciosos
belo Vestido bordado,
pontos de prata e dourado
arrematado afinal
com grampos e fio dental
quarta-feira, 18 de março de 2009
Por seu Paladar
segunda-feira, 9 de março de 2009
Quinze anos e não mais
Eis finda a caixa de lenços,
de fino rosa bordado,
limpando os momentos tensos
do lençol rubro gozado.
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Rouxinol
Quando a conheceu foi daqueles amores a primeira vista, melhor dizendo a primeira ouvida. Passava pela rua e escutou naquele sobrado de esquina a voz mais fina e delicada que já ouvira em toda sua vida.
Era certo que aquela voz se encaixaria perfeitamente em sua ópera do Pianista e o Rouxinol. Ópera essa que engavetara há anos por nunca encontrar alguma cantante adequada para o papel.
Todas as vozes eram por demais desafinadas ou grossas para a musicalidade que tocava repetidamente em seus ouvidos desde que a primeira nota foi desenhada para a peça. Claro que aquela voz não estava ideal como queria mas sentiu que com o devido treino chegariam a perfeição.
A ela não custou muito convencer aquela humilde Cantante para tomar lições consigo. Ensinou-lhe como ajustar seu tom, como se portar frente ao grande público que era esperado. A Cantante evoluíra muito nos meses que se passaram sob a tutela da Compositora.
Como era de se esperar muito se afeiçoaram uma a outra. A admiração da pupila não tinha limites para com sua maestra. E esta via que a humilde Cantante podia mais e mais até de fato se tornar parte de sua Ópera tão sonhada.
Porém sabia ela que ainda faltava um detalhe para saber se sua voz estaria perfeita para seu espetáculo. E aos poucos foi convencendo a Cantante da necessidade de seu último teste. Ao mesmo tempo que fez a tão esperada encomenda ao seu Ourives de mais extrema confiança e sigilo.
A levou vendada até o local onde fora instalada sua preciosa encomenda. Era a surpresa que coroaria todos aqueles meses de dedicação e labuta. Depois de escutar o som de metal contra metal e sentir-se saindo do chão a Cantante fora desvelada e podia-se ver em sua nova gaiola-morada de ouro. E compreendendo perfeitamente se pôs a cantar para sua maestra que dedilhava o piano.
Cangaço
Virgulino cabra macho
que pro malfeito faz mal
É Pistoleiro de despacho
com sua garrucha de sal
Virgulino cabra macho
tão ruim eu nunca vi igual
E que dá tiro no cacho
derrubando o bananal
Pois quando chega na vila
não há alma que não se grila
por saberem de sua má fama
Pois eu digo ai do vivente
que lhe cruza bem a frente
indo bem rápido pra lama
Comunicabilidade e Experiência:
uma problemática de Walter Benjamin à luz de Ítalo Calvino
É uma escritora de fortes tendencias minimalistas, tendo gosto pelos minicontos procede de maneira inversa ao habitual da tessitura de histórias, pois ao invés de nelas acrescentar detalhes e mais detalhes para completar e enriquecer o texto Marina busca, muitas vezes, cortar e recortar tudo que considera supérfluo e não faz parte do cerne com o qual trabalha.
Mesmo escrevendo em prosa, Marina tem um rigor formal e um cuidado especial para direcionar o seu leitor para as pequenas grandes surpresas que se depara na leitura de seus contos que por tantas vezes sequer passam de uma página.
Florbela Espanca é uma poetisa portuguesa (08/12/1894-08/12/1930) do simbolismo tardio português, que não cedendo aos movimentos libertários do modernismo produz uma obra composta em grande parte por sonetos e outros versos da poética clássica.
Primando tanto pela forma quanto pelo conteúdo produz obras de extrema força e visceralidade em certas fazes para depois ser contrabalançada com uma incrível leveza e oniricidade.
Preocupando-se com a sonoridade de seus versos não deixa de se atentar para detalhes que foram se perdendo com o modernismo. Não obstante o seu isolamento da vanguarda portuguesa tem como grandes apreciadores de sua obra poetas como Antero de Quental e Fernando Pessoa.
A proposta deste trabalho se encerra em explicitar os problemas e funções para a comunicabilidade presentes e cuidadosamente trabalhados tanto na forma quanto no conteúdo das duas obras selecionadas.
Através de recursos estilísticos as obras Florbela Espanca e Marina Colasanti pretendem comunicar e transmitir uma experiencia própria e intensa. Uma experiência que não pertence somente as autoras mas que são compartilhadas por toda uma tradição de narradores como veremos com Walter Benjamin e Ítalo Calvino.
FUNDAMENTAÇÃO
Em "O Narrador" Walter Benjamin problematiza capacidade do homem de transmitir a experiência. Toma como maior vetor da experiencia a figura do narrador mas acredita que tal atividade, a da narrativa, encontra-se com seus dias contados.
Walter Benjamin traça uma genealogia da arte de narrar passando pelas figuras do camponês sedentário e do marinheiro comerciante em tempos remotos. Onde o primeiro dava conta da sua experiencia e da experiencia de seu povo transmitindo assim tal sabedoria em sua narrativida e e o segundo era um agregador das experiencias que lhes foram narradas e vividas nas mais distantes terras. Com a idade média surgem as corporações de ofício onde o mestre sedentário acolhia aprendizes migrantes e de tal relação havia a transmissão e síntese artesanal das diferentes experiencias.
A narrativa tem para Benjamin um elemento utilitário essencial. O Narrador é uma figura que sabe dar conselhos. E se dar conselhos se tornou algo antiquado e incomodo foi porque as experiências deixaram de ser comunicáveis.
"Aconselhar é menos responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre uma continuação de uma história que está sendonarrada. Para obter essa sugestão, necessário primeiro saber narrar a história (sem contar que um sujeito só é receptivo a uma história quando verbaliza a sua situação)." (Benjamin, Walter. O Narrador)
Entre a Narração e a Informação há um abismo de natureza geográfica e substancial, enquanto na narrativa o distanciamento e imprecisão são fundamentais para a compreensão e a transmissão da experiencia, na informação a materialidade, a proximidade e a precisão dos fatos são fundamentais.
"O Narrador retira da experiencia o que ele conta: sua própria experiencia ou relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiencia dos seus ouvintes" (Benjamin, Walter. O Narrador)
Para a narrativa, explicações elaboradas sobre as causas dos acontecimentos são dispensáveis e até mesmo indesejadas, mesmo que os fatos sejam narrados com exatidão os termos psicológicos que engendram a histórias são implicados na compreensão do leitor.
O Episódio narrado, distinto do informado, adquire per si uma dimensão muito mais extensa do que o próprio fato devido a importante contribuição do leitor para a construção daquela experiencia.
Tal concepção de narrativa de Benjamin se alinha com a perspectiva das propostas de Calvino para a literatura. O que faz calvino é mostrar uma possível solução para o problema da comunicabilidade que Benjamin alega ter se perdido na sociedade da Informação.
Calvino, destaca e recorre aos mais diversos clássicos e atualidades em busca das potencias que permitiriam tal transmissão da experiencia. Se Benjamin fala do distanciamento e imprecisão necessários à narrativa para sua função. Ítalo descreve a dicotomia Peso e Leveza tratando e sistematizando o que Benjamin apenas descreveu e indicou.
Não se trata de fugir do peso da realidade através de uma mera atmosfera de sonhos e nebulosidades, trata-se principalmente do desvio do olhar direto para um relato da realidade por uma ótica que retire de si o peso. Comparando dois versos semelhantes um de Dante e outro de Cavalcanti.
Tratando da neve suave o primeiro lhe dá concretude por meio do verbo comer, transformando-a num ato fechado e acabado enquanto o segundo acrescenta apenas um suave "e" que universaliza e a cena retirando-a da materialidade.
Calvino dá três conceituações para a Leveza:
por um tecido verbal quase imponderável até assumirem essa mesma rarefeita
consistência"
• "A narração de um raciocínio ou de um processo psicológico no qual interferem
elementos sutis e imperceptíveis ou qualquer percepção que comporte um alto grau de abstração"
• "uma imagem figurativa da leveza que assuma um valor emblemático"
ANÁLISE
A economia da narrativa se mostra clara e evidente desde a primeira frase/parágrafo onde a voz que narra se limita a dizer: “Surda era Otília.” A frase é simples, direta, sucinta mas de uma total leveza pois escapa-lhe um significado preciso pois se trata de um aparente paradoxo afinal “Oto” é a raiz lingüística do nome Otília e não por acaso significa o que é relativo aos Ouvidos. Sim, em uma única frase Colasanti marca o tom de seu conto, sua personagem principal se chama Otília e é surda, um paradoxo hiperbólico.
Sem conseguirmos resolver a profunda imprecisão de Quem é Otília continuamos a leitura do conto. A mulher-ouvido-surda “Não ouvia as palavras de amor que ele dizia” e “Não ouvia as palavras de amor que ele cantava”, são pequenas e aparente obviedades mas pela tensão provocada por seu nome adquirem um significado especial, um enorme sentimento de desajustamento e um insipiente desejo de resolução desse absurdo.
Mas é no parágrafo seguinte que percebemos o quão grave é a surdez de Otília, e juntamente com ela começamos a percorrer o caminho em busca de uma solução para sua incapacidade comunicativa com o amado. (Amado esse, vale à pena salientar, sequer é nomeado pela voz narrativa, a despeito de sua posição aparentemente fundamental importância a continuidade da história, sendo apenas “ele” ao longo do conto.)
Otília não consegue acessar seu amado mesmo através dos seus demais sentidos, toca-lhe a boca, debruça-se sobre o violão e nada chega até ela. A narrativa reforça a palavra “nada” pela repetição reiterando o vazio ocasionado por essa incomunicabilidade que desenrola, se agrava e começa a sufocar tanto Otília quanto o leitor. São pequenas frases, bem concatenadas mas que nada nos dizem sobre Otília além do que está explicitamente escrito.
Pela leitura do texto não conseguimos descobrir quantos anos tem Otília ou seu amado, como se parecem, como se vestem, de onde são, o que fazem de suas vidas, o que sabem do mundo, suas crenças ou aspirações menores. Tudo que sabemos é que Otília é surda e que seu amado é músico, outro paradoxo que tão bem é explorado na obra.
Toda essa imprecisão implica o leitor nessa experiência, permite que ele misture essa nova experiencia que lhe é narrada com as tantas que encerra dentro de si, tal mistura não ocorre por capricho do leitor mas pela necessidade do texto que exige dele tal implicação para que preencha as lacunas e faça parte da própria narrativa. O rosto de Otília não está descrito no conto, cabe ao leitor, entre suas memórias e experiencias reconstituir o rosto dela da forma que mais lhe identifique.
Benjamin coloca nesse ponto a bem clara diferença entre romance e narrativa, pois o romance lhe dá uma obra acabada onde o leitor não precisa se implicar, o romance não compartilha, não se constitui e nem se dissolve na experiência.coletiva, é uma obra individual de seu autor. Já a narrativa necessariamente parte de uma experiencia bebida de si e do coletivo e ao ser narrada se mistura com outras tantas experiencias dos interlocutores que torna-os autores daquela narrativa e como tais identificados e propícios para a transferência das experiências presentes na obra.
A prisão do silêncio, da incomunicabilidade, acabam por torturar profundamente Otília e provocar nela uma reação impensada e radical: “Até que um dia, tomada de doce fúria, cravou os dentes no pinho que ele dedilhava.” Mas toda radicalidade do ato, todo seu peso negativo se esvai por uma única palavra: “doce” não se trata portanto de uma atitude que rompa com o ritmo do conto é a sua mais perfeita continuidade. A fúria, tão surreal quanto intensa, se torna plausível e suave com a leveza incutida pelo adjetivo doce.
O cravar de dentes de Otília é profundo, intenso visceral, fluindo por seus dentes, ossos e pele. E somente nessa atitude única se dá o que ela desde sempre ansiava. sentir seu amado de modo pleno, intenso e até ofuscante como quem se vê de repente em um ambiente claro depois de muito tempo nas trevas.
A sinestesia construída nesse paragrafo é deveras singular: Afinal, Otília começa a ouvir pelas vibrações do tato e os sons que vem por esse tato a ofuscam, algo típico da visão. É um processo sinestésico de três fases e não meramente duas como é o mais comum. Não é meramente uma cor que tem cheiro mas a sensação táctil de um som que ofusca.
E tal sinestesia é um forte elemento constitutivo da leveza nesse conto tal como Calvino explicita ao exemplificar o paradoxo da Cabeça da Górgona carregada por Perseu. Que por seu enorme poder se deve deixar escondida sendo reservada apenas aos inimigos mais terríveis. E no contraste gritante entre sua força e fragilidade fazendo com que o herói tome sempre um enorme cuidado em seu trato para que ela não pereça.
Após a aparente resolução do conflito do conto (a característica básica de um conto é a existência de um único conflito principal conforme Nádia Batela Gotlib em seu livro Teoria do Conto) o conto como se fosse um mito ou um conto de fadas adquire um elemento cíclico e poético ao anunciar no sucinto parágrafo seguintes (aos moldes do parágrafo que abre o conto) “Surda, porém, Otília não falava”.
O leitor se deixa pegar de surpresa nesse trecho, é uma reviravolta no conto. Dentro do mesmo conflito se coloca uma nova face aparentemente impensada até então, mas novamente de uma simplicidade espantosa. Afinal Otília também era muda. O parágrafo seguinte reforça o caráter mito-poético da obra, evidenciando o ciclo reconstruindo o segundo parágrafo sob a nova perspectiva de Otília.
“Ele”, mesmo sem nome recebe a incumbência do desfecho do conto. Em um desespero causado pela incomunicabilidade da amada se desespera e também “em doce fúria” crava os dentes no ombro dela. Em seu branco e puro ombro. Seus dentes só começam a ouvir “a cadência suavíssima do pulsar do som da amada” quando ele consegue a alcançar em toda a sua profundidade.
Se encerra o conto, com um desfecho apontando para o aprofundamento no insondável para que haja alguma chance de completude na comunicabilidade. Deixa fortemente a necessidade da comunicação, da transmissão da experiencia. Não bastando o amor por si só mas seu compartilhamento profundo e completo. Como Benjamin explica ao dizer que para a transmissão da experiencia se faz necessário um distanciamento, um aprofundamento.
No conto de Marina Colasanti tal distanciamento se dá pelo aprofundamento dos dentes sob a carne e o pinho, para além da superfície penetrando e alcançando o cerne onde o indizível é comunicado independente da surdez e da mudez do ser humano que não mais consegue se comunicar. Colasanti, de ascendência e formação italiana compartilha com Calvino de tal solução para a incomunicabilidade e a perda da arte de narrar da qual Benjamin alerta no início do século vinte.
Tal incomunicabilidade, tal deficiência ficam bem claras no soneto de Florbela Espanca. Onde a voz lírica só enxerga a beleza na paixão que o amado tem por sua paixão e no próprio amado. Não se comunicam, não são unos em seu discurso. Dispares em suas paixões e desejos. Presos e incomunicáveis, sem qualquer solução possível pois aceitam e compartilham de um contentamento descontinuo e díspar como fica bem explícito nos tercetos finais:
“Eu olhava para ti... “É lindo! Ideal!”
Gemeram nossas vozes confundidas.
- Havia rosas cor-de-rosa aos molhos –
Falavas de Liszt e eu... da musical
Harmonia das pálpebras descidas,
Do ritmo dos teus cílios sobre os olhos...”
A voz se contenta com a incomunicabilidade irresoluta de seu tempo, com a impossibilidade de se compartilhar e narrar a própria experiencia e faz disso uma beleza trágica e completa. O Soneto de Florbela traduz magistralmente o sentimento que Benjamin tinha ao encarar sua sociedade européia no pós primeira guerra mundial. Contemporâneos, mesmo que desconhecidos entre si, capitaram bem o espírito de sua época: Ele discorrendo sobre tal em sua filosofia estética e ela se primando na poética clássica e tornando tal incomunicabilidade uma obra de arte.
ANEXOS
Concerto de silêncio, para duas vozes
Marina Colasanti
Surda era Otília.
Não ouvia as palavras de amor que ele dizia. Não ouvia as músicas de amor que ele cantava.
Deslizava os dedos sobre a boca do amado. E nada. Encostava o ouvido no violão. E nada. Nem som nem vibração chegavam até Otília.
Trancada no silêncio, sofria sem encontrar saída. Até que um dia, tomada de doce fúria,
cravou os dentes no pinho que ele dedilhava. E penetrando pelos dentes, fluindo pelos
ossos, infiltrando-se debaixo da pele, o som varou enfim, ofuscante, a cabeça de Otília.
Surda, porém, Otília não falava.
Não dizia do amor. Não dizia das músicas que agora lhe chegavam.
Afastado pela mudez, sofria ele em busca de saída. Que encontrou ao cravar os dentes, em
doce fúria, no branco ombro de Otília. Percorrendo os dentes, deslizando pelos ossos,
impregnando toda a pele, ouviu a cadência suavíssima pulsar do som da amada, que enfim
lhe chegava.
Tarde De Música
Florbela Espanca
Só Schumann, meu Amor! Serenidade…
Não assustes os sonhos…Ah! não varras
As quimeras…Amor, senão esbarras
Na minha vaga imaterialidade…
Liszt, agora o brilhante; o piano arde…
Beijos alados…ecos de fanfarras…
Pétalas dos teus dedos feitos garras…
Como cai em pó de oiro o ar da tarde!
Eu olhava para ti…”é lindo! Ideal!”
Gemeram nossas vozes confundidas.
– Havia rosas cor-de-rosa aos molhos —
Falavas de Liszt e eu…da musical
Harmonia das pálpebras descidas,
Do ritmo dos teus cílios sobre os olhos…
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Obviedades
Co'ela eu descobri
muito de mim mesmo
que não podia imaginar.
Descobri verdades
óbvias que eu me
recusava a enxergar.
Descobri até mesmo
que feliz ao lado
dela eu posso ser.
Que existem verdades
além dos pesadelos
e sonhos ruims.
Descobri que posso
viver e saciar
toda minha fome.
Que eu posso até
me sentir completo
e também em paz.
Descobri o prazer
de lhe acariciar
e ver em seus olhos
e pensei que eu
no brilho que jamais
trocaria num olhar.
Cúmplices? Creio
que é só o começo...