Publicação em destaque
Poeta e apenas poeta
Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Filho Pródigo
Digo: Saudades não tenho.
Sou, ao menos, orgulhoso
demais pra dizer que tenho
de outro tempo saudoso!
Mas eu nem sei se eu convenho
em dizer que sou desgostoso
da terra que digo e venho
praguejando por troça e gozo!
Cidadezinha pacata;
é dessas que ninguém morre
e dessas que ninguém mata!
Cidadezinha de porre;
se o fim-do-mundo desata...
eu quero ver quem socorre!
terça-feira, 16 de junho de 2009
O seu engenho amado
Solitário como era não tinha amigos muito próximos, não era convidado para as festas e era alérgico a animais. Seu apartamento cheio de livros e ferramentas lhe acolhia com resignação e indiferença.
Viveria assim durante tantos anos sem se incomodar com aquela suave paz de sua morada mas um dia quando a consulta ao dentista atrasara mais do que o costume pegou um romance açucarado com a secretária tornando sua espera menos tediosa.
De volta a seu apartamento sem os cisos e com uma semana de licença se pôs a colocar seus estudos em dia: Todos aqueles livros que devia ter lido, todos aqueles artigos para revisar e todos aqueles protótipos ainda por terminar.
Cheio de ânimo estudou por dois dias naqueles silêncio tão propício a máxima concentração. Mas, no terceiro, incomodou-lhe todo aquele ambiente sepulcral, cansou-lhe seus assuntos tão sérios que tratava.
Quis então se distrair, ocupar-lhe a mente com algo mas todos os seus livros, papeis,ada fitas eram sérios demais. Nada havia ali sequer parecido como aquele banal romance da secretária, que julgara tão bobo, simples e pueril.
Não podendo ler o romance que devolvera crítico e desdenhoso. E sem coragem de ir até a banca mais próxima e passar pelo vexame de ser visto comprando literatura barata. Decidiu-se por viver ele próprio seu romance.
De tão inteligente, científico e hábil que era decidira que construiria sua amada com seus protótipos inacabados.: um braço mecânico, um modulador, olhos de lentes digitais e uma sorte de pequenos inventos, de funcionalidade duvidosa, que adornavam com seu peculiar gosto toda sua morada.
Tudo foi perfeitamente arquitetado a partir de um livro de anatomia humana (que comprara por engano certa vez). A construção fora bem simples, após concluso o projeto, seu intelecto formidável lhe enchia de orgulho a cada pequeno progresso. Terminara todo o processo em menos de quarenta e oito horas de trabalho ardoroso e frenético.
Quando terminada, não se continha de excitação frente sua amada construta com quem viveria o seu maior e mais perfeito romance. Um último ajuste precedeu o toque ligeiro em seu interruptor bem escondido atrás da orelha.
O corpo dela inteiro tremeu, sinal da inicialização do delicado sistema programado em seu interior, e ao abrir os olhos seus lábios esculpidos em látex abriram um enorme sorriso e disse olhando nos olhos dele: Papai.
Metafísica
Refuta-me e me desvela
pinta-me para sua tela
sem a tinta nem carvão
sua puta sem coração!
Trova pseudo-filosófica e pseudo-poética
Pois o Hades não é geográfico
nem Alma um corpo sutil
nada cabe o verso Sáfico
nem é Heróico seu ardil
quinta-feira, 28 de maio de 2009
Minha querida
quinta-feira, 14 de maio de 2009
sábado, 9 de maio de 2009
da morte amada
minha querida e ingrata
porém lasciva consorte
que tão suave me mata
quinta-feira, 7 de maio de 2009
segunda-feira, 4 de maio de 2009
Os Barbeiros de Lorena
Adentrei à barbearia do meu chefe. Ele tinha seus olhos todos já cobertos pela névoa do glaucoma. Limpava cuidadosa cuidadosamente o balcão, a cadeira e seus instrumentos de barbearia quando, no momento meus pés dentro pisaram, disse a mim sem se virar:
- Os óculos estão sobre o armário de metal.
Eu, ainda assustado com seus velhos hábitos, só consegui responder:
- Sim senhor.
Dirigi-me então até o referido que se encontrava mui empoeirado (contrastando assim com todo o resto da barbearia que reluzia) e lá não encontrei os óculos que me foram indicados. Impaciente com minha demora o Barbeiro Chefe caminhou até onde estava e bem na linha dos meus olhos evidenciou os óculos que solicitara.
- Tenho uma nova missão para você meu jovem e mesmo que tenha chegado agora a Lorena terá que partir no mesmo trem que lhe trouxe.
- Mas meu senhor, temo que as notícias que trago serão... - Interrompendo-me no meio o Barbeiro entregou-me os óculos e então abriu a primeira gaveta que deslizou com todos os rangidos e gemidos que tinha direito. De lá do fundo retirou uma enorme pasta marrom-amarelada.
- Cá está tudo que precisa saber, dentro de uma dezena me mande notícias da Gália, notícias boas eu espero. - O Barbeiro, sem me dirigir novamente a palavra ou sequer inclinar o rosto em minha direção, adentrou nos aposentos dos fundos da Barbearia e fechou a porta atrás de si e fez ressoar o ferrolho enquanto eu ainda estava ali de pé, com a pasta em minha mão e sua silhueta esguia passando através do vidro embaçado da porta à minha frente.
- Mas que diabos! Porque faz tudo assim da maneira mais difícil? - Sacudi a cabeça como um cão para afastar se não a água da chuva pelo menos as gotas de frustração daquele encontro.
- Mais trabalho e nenhuma resposta! - Sorria atrás de mim Iasmim com seus olhos negros, enormes e brilhantes.
Nós caminhamos durante a tarde por toda Lorena afinal o Barbeiro não queria me ver mais e minha volta antecipada só poderia acontecer após o crepúsculo.
Iasmim fez questão de me mostrar todas as suas incríveis descobertas no mercado central e nas lojas escondidas no beco pirata. Encantou-me o engenho de um certo artífice que na mesma peça juntara o sortilégio do soco inglês, a mortalidade da pólvora e a fineza da lâmina Suíça. O adquiri depois de regatear, pechinchar muito com o próprio artífice, por duas coroas (metade de todas as minhas economias).
Sentamos-nos num café para descansar as pernas e os braços depois das compras tão longas afinal não é todo dia que se tem uma guia daquela competência e astúcia.
-As notícias que me chegam de Alsácia são fascinantes meu caro Iacob! É verdade que o audaz, para não dizer louco, Engenheiro conseguiu alçar aos céus sua nau à vapor? - Iasmim perguntou-me em tom de sussurro travesso.
-Exatamente minha cara! Eles trabalharam com muito afinco nos últimos invernos. E tire esse olhar que eu conheço bem. Esse é um souvenir grande demais para que lhe traga como mimo! - Ri bebericando um pouco do chá das índias.
-Mas quem disse que o quero assim inteiro? Já ficaria eu feliz com os papéis. - Sorrindo-me com os olhos que não me deixariam nada recusar.
-Está bem, verei o que posso fazer depois de resolver essa pequena pendência - disse enquanto apontava para a pasta que o Barbeiro havia me entregue.
-Sabia que não ia recursar um pedido de sua irmã favorita! - Me mandando um beijo pelo seu lenço.
Peguei-o com delicadeza e guardei-o junto ao peito quando então olhei o conta-tempo e vi que em pouco mais de um ciclo partiria meu trem. Apressado me despedi de Iasmim deixando com ela dois cetros para pagar nosso café.
- Leve-me à Tabacaria Sant'ana - pedi ao jovem condutor védico que com presteza guiava seu coche a vapor afinal mesmo atrazado jamais poderia eu deixar de aproveitar a qualidade dos fumos adocicados que só ali valiam seu peso e não me custariam um pequeno reino.
Pelo caminho vi como a cidade onde renasci crescera desde minha última visita, estava em toda a vida, movimento e passagem. Os cavalos alados, as damas de vermelho, os pequenos malandros agora conviviam com os frades inventores, os navegantes de ferro e os taberneiros-mestres. Cada sobrado uma loja fenomenal, cada luz um espanto afinal a eletricidade era novidade ali em Lorena.
Comprado o fumo apressei meu passo pois um quarto de ciclo era o que me restava para por meus pés dentro do vagão. Mas não foi meu grande espanto quando a Estação já não estava mais onde eu esperava? Simplesmente havia desaparecido, pensei que havia errado ou me esquecido daquele bosque entre a Sant`ana e a estação.
Caminhando pela trilha dei-me com um pequeno casebre com mesas do lado de fora e bebidas servidas por um alto sátiro que me encarava com um sorriso tão convidativo que me fez aproximar e inquirir:
- Cá não deveria ficar a velha estação?
- Meu caro amigo barbeiro, o senhor está certíssimo. Mas nessas novas épocas permutamos com a estação depois do crepúsculo. - disse o sátiro enquanto me servia uma taça de seu odre.
- Mas como? Nada havia sido me dito! - respondi aceitando sua taça por educação.
- Bom meu caro, só posso lhe dizer que foi uma excelente negociação. Mas desejar mesmo ir é só dizê-lo em voz alta
- Dizer “desejo ir à estação” basta? - perguntei levemente intrigado com a novidade.
- Exatamente! Não é de uma simplicidade incrível esses engenhos estrangeiros? Mas antes de ter chamado sua carona deveria ter se dado conta que seus papéis estão voando. - apontando o dedo para atrás de minhas costas.
Olhei mais que depressa vendo um caminho de folhas amareladas e nas minhas minhas mãos a pasta entreaberta. Desesperado corri para apanhá-las conseguindo pegar todas menos aquela que continha seu rosto pois quando ia alcança-la vi-me dentro do vagão, já muito bem acomodado em minha cabine privativa.
sábado, 4 de abril de 2009
Detalhes Preciosos
belo Vestido bordado,
pontos de prata e dourado
arrematado afinal
com grampos e fio dental
quarta-feira, 18 de março de 2009
Por seu Paladar
segunda-feira, 9 de março de 2009
Quinze anos e não mais
Eis finda a caixa de lenços,
de fino rosa bordado,
limpando os momentos tensos
do lençol rubro gozado.
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Rouxinol
Quando a conheceu foi daqueles amores a primeira vista, melhor dizendo a primeira ouvida. Passava pela rua e escutou naquele sobrado de esquina a voz mais fina e delicada que já ouvira em toda sua vida.
Era certo que aquela voz se encaixaria perfeitamente em sua ópera do Pianista e o Rouxinol. Ópera essa que engavetara há anos por nunca encontrar alguma cantante adequada para o papel.
Todas as vozes eram por demais desafinadas ou grossas para a musicalidade que tocava repetidamente em seus ouvidos desde que a primeira nota foi desenhada para a peça. Claro que aquela voz não estava ideal como queria mas sentiu que com o devido treino chegariam a perfeição.
A ela não custou muito convencer aquela humilde Cantante para tomar lições consigo. Ensinou-lhe como ajustar seu tom, como se portar frente ao grande público que era esperado. A Cantante evoluíra muito nos meses que se passaram sob a tutela da Compositora.
Como era de se esperar muito se afeiçoaram uma a outra. A admiração da pupila não tinha limites para com sua maestra. E esta via que a humilde Cantante podia mais e mais até de fato se tornar parte de sua Ópera tão sonhada.
Porém sabia ela que ainda faltava um detalhe para saber se sua voz estaria perfeita para seu espetáculo. E aos poucos foi convencendo a Cantante da necessidade de seu último teste. Ao mesmo tempo que fez a tão esperada encomenda ao seu Ourives de mais extrema confiança e sigilo.
A levou vendada até o local onde fora instalada sua preciosa encomenda. Era a surpresa que coroaria todos aqueles meses de dedicação e labuta. Depois de escutar o som de metal contra metal e sentir-se saindo do chão a Cantante fora desvelada e podia-se ver em sua nova gaiola-morada de ouro. E compreendendo perfeitamente se pôs a cantar para sua maestra que dedilhava o piano.
Cangaço
Virgulino cabra macho
que pro malfeito faz mal
É Pistoleiro de despacho
com sua garrucha de sal
Virgulino cabra macho
tão ruim eu nunca vi igual
E que dá tiro no cacho
derrubando o bananal
Pois quando chega na vila
não há alma que não se grila
por saberem de sua má fama
Pois eu digo ai do vivente
que lhe cruza bem a frente
indo bem rápido pra lama
Comunicabilidade e Experiência:
uma problemática de Walter Benjamin à luz de Ítalo Calvino
É uma escritora de fortes tendencias minimalistas, tendo gosto pelos minicontos procede de maneira inversa ao habitual da tessitura de histórias, pois ao invés de nelas acrescentar detalhes e mais detalhes para completar e enriquecer o texto Marina busca, muitas vezes, cortar e recortar tudo que considera supérfluo e não faz parte do cerne com o qual trabalha.
Mesmo escrevendo em prosa, Marina tem um rigor formal e um cuidado especial para direcionar o seu leitor para as pequenas grandes surpresas que se depara na leitura de seus contos que por tantas vezes sequer passam de uma página.
Florbela Espanca é uma poetisa portuguesa (08/12/1894-08/12/1930) do simbolismo tardio português, que não cedendo aos movimentos libertários do modernismo produz uma obra composta em grande parte por sonetos e outros versos da poética clássica.
Primando tanto pela forma quanto pelo conteúdo produz obras de extrema força e visceralidade em certas fazes para depois ser contrabalançada com uma incrível leveza e oniricidade.
Preocupando-se com a sonoridade de seus versos não deixa de se atentar para detalhes que foram se perdendo com o modernismo. Não obstante o seu isolamento da vanguarda portuguesa tem como grandes apreciadores de sua obra poetas como Antero de Quental e Fernando Pessoa.
A proposta deste trabalho se encerra em explicitar os problemas e funções para a comunicabilidade presentes e cuidadosamente trabalhados tanto na forma quanto no conteúdo das duas obras selecionadas.
Através de recursos estilísticos as obras Florbela Espanca e Marina Colasanti pretendem comunicar e transmitir uma experiencia própria e intensa. Uma experiência que não pertence somente as autoras mas que são compartilhadas por toda uma tradição de narradores como veremos com Walter Benjamin e Ítalo Calvino.
FUNDAMENTAÇÃO
Em "O Narrador" Walter Benjamin problematiza capacidade do homem de transmitir a experiência. Toma como maior vetor da experiencia a figura do narrador mas acredita que tal atividade, a da narrativa, encontra-se com seus dias contados.
Walter Benjamin traça uma genealogia da arte de narrar passando pelas figuras do camponês sedentário e do marinheiro comerciante em tempos remotos. Onde o primeiro dava conta da sua experiencia e da experiencia de seu povo transmitindo assim tal sabedoria em sua narrativida e e o segundo era um agregador das experiencias que lhes foram narradas e vividas nas mais distantes terras. Com a idade média surgem as corporações de ofício onde o mestre sedentário acolhia aprendizes migrantes e de tal relação havia a transmissão e síntese artesanal das diferentes experiencias.
A narrativa tem para Benjamin um elemento utilitário essencial. O Narrador é uma figura que sabe dar conselhos. E se dar conselhos se tornou algo antiquado e incomodo foi porque as experiências deixaram de ser comunicáveis.
"Aconselhar é menos responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre uma continuação de uma história que está sendonarrada. Para obter essa sugestão, necessário primeiro saber narrar a história (sem contar que um sujeito só é receptivo a uma história quando verbaliza a sua situação)." (Benjamin, Walter. O Narrador)
Entre a Narração e a Informação há um abismo de natureza geográfica e substancial, enquanto na narrativa o distanciamento e imprecisão são fundamentais para a compreensão e a transmissão da experiencia, na informação a materialidade, a proximidade e a precisão dos fatos são fundamentais.
"O Narrador retira da experiencia o que ele conta: sua própria experiencia ou relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiencia dos seus ouvintes" (Benjamin, Walter. O Narrador)
Para a narrativa, explicações elaboradas sobre as causas dos acontecimentos são dispensáveis e até mesmo indesejadas, mesmo que os fatos sejam narrados com exatidão os termos psicológicos que engendram a histórias são implicados na compreensão do leitor.
O Episódio narrado, distinto do informado, adquire per si uma dimensão muito mais extensa do que o próprio fato devido a importante contribuição do leitor para a construção daquela experiencia.
Tal concepção de narrativa de Benjamin se alinha com a perspectiva das propostas de Calvino para a literatura. O que faz calvino é mostrar uma possível solução para o problema da comunicabilidade que Benjamin alega ter se perdido na sociedade da Informação.
Calvino, destaca e recorre aos mais diversos clássicos e atualidades em busca das potencias que permitiriam tal transmissão da experiencia. Se Benjamin fala do distanciamento e imprecisão necessários à narrativa para sua função. Ítalo descreve a dicotomia Peso e Leveza tratando e sistematizando o que Benjamin apenas descreveu e indicou.
Não se trata de fugir do peso da realidade através de uma mera atmosfera de sonhos e nebulosidades, trata-se principalmente do desvio do olhar direto para um relato da realidade por uma ótica que retire de si o peso. Comparando dois versos semelhantes um de Dante e outro de Cavalcanti.
Tratando da neve suave o primeiro lhe dá concretude por meio do verbo comer, transformando-a num ato fechado e acabado enquanto o segundo acrescenta apenas um suave "e" que universaliza e a cena retirando-a da materialidade.
Calvino dá três conceituações para a Leveza:
por um tecido verbal quase imponderável até assumirem essa mesma rarefeita
consistência"
• "A narração de um raciocínio ou de um processo psicológico no qual interferem
elementos sutis e imperceptíveis ou qualquer percepção que comporte um alto grau de abstração"
• "uma imagem figurativa da leveza que assuma um valor emblemático"
ANÁLISE
A economia da narrativa se mostra clara e evidente desde a primeira frase/parágrafo onde a voz que narra se limita a dizer: “Surda era Otília.” A frase é simples, direta, sucinta mas de uma total leveza pois escapa-lhe um significado preciso pois se trata de um aparente paradoxo afinal “Oto” é a raiz lingüística do nome Otília e não por acaso significa o que é relativo aos Ouvidos. Sim, em uma única frase Colasanti marca o tom de seu conto, sua personagem principal se chama Otília e é surda, um paradoxo hiperbólico.
Sem conseguirmos resolver a profunda imprecisão de Quem é Otília continuamos a leitura do conto. A mulher-ouvido-surda “Não ouvia as palavras de amor que ele dizia” e “Não ouvia as palavras de amor que ele cantava”, são pequenas e aparente obviedades mas pela tensão provocada por seu nome adquirem um significado especial, um enorme sentimento de desajustamento e um insipiente desejo de resolução desse absurdo.
Mas é no parágrafo seguinte que percebemos o quão grave é a surdez de Otília, e juntamente com ela começamos a percorrer o caminho em busca de uma solução para sua incapacidade comunicativa com o amado. (Amado esse, vale à pena salientar, sequer é nomeado pela voz narrativa, a despeito de sua posição aparentemente fundamental importância a continuidade da história, sendo apenas “ele” ao longo do conto.)
Otília não consegue acessar seu amado mesmo através dos seus demais sentidos, toca-lhe a boca, debruça-se sobre o violão e nada chega até ela. A narrativa reforça a palavra “nada” pela repetição reiterando o vazio ocasionado por essa incomunicabilidade que desenrola, se agrava e começa a sufocar tanto Otília quanto o leitor. São pequenas frases, bem concatenadas mas que nada nos dizem sobre Otília além do que está explicitamente escrito.
Pela leitura do texto não conseguimos descobrir quantos anos tem Otília ou seu amado, como se parecem, como se vestem, de onde são, o que fazem de suas vidas, o que sabem do mundo, suas crenças ou aspirações menores. Tudo que sabemos é que Otília é surda e que seu amado é músico, outro paradoxo que tão bem é explorado na obra.
Toda essa imprecisão implica o leitor nessa experiência, permite que ele misture essa nova experiencia que lhe é narrada com as tantas que encerra dentro de si, tal mistura não ocorre por capricho do leitor mas pela necessidade do texto que exige dele tal implicação para que preencha as lacunas e faça parte da própria narrativa. O rosto de Otília não está descrito no conto, cabe ao leitor, entre suas memórias e experiencias reconstituir o rosto dela da forma que mais lhe identifique.
Benjamin coloca nesse ponto a bem clara diferença entre romance e narrativa, pois o romance lhe dá uma obra acabada onde o leitor não precisa se implicar, o romance não compartilha, não se constitui e nem se dissolve na experiência.coletiva, é uma obra individual de seu autor. Já a narrativa necessariamente parte de uma experiencia bebida de si e do coletivo e ao ser narrada se mistura com outras tantas experiencias dos interlocutores que torna-os autores daquela narrativa e como tais identificados e propícios para a transferência das experiências presentes na obra.
A prisão do silêncio, da incomunicabilidade, acabam por torturar profundamente Otília e provocar nela uma reação impensada e radical: “Até que um dia, tomada de doce fúria, cravou os dentes no pinho que ele dedilhava.” Mas toda radicalidade do ato, todo seu peso negativo se esvai por uma única palavra: “doce” não se trata portanto de uma atitude que rompa com o ritmo do conto é a sua mais perfeita continuidade. A fúria, tão surreal quanto intensa, se torna plausível e suave com a leveza incutida pelo adjetivo doce.
O cravar de dentes de Otília é profundo, intenso visceral, fluindo por seus dentes, ossos e pele. E somente nessa atitude única se dá o que ela desde sempre ansiava. sentir seu amado de modo pleno, intenso e até ofuscante como quem se vê de repente em um ambiente claro depois de muito tempo nas trevas.
A sinestesia construída nesse paragrafo é deveras singular: Afinal, Otília começa a ouvir pelas vibrações do tato e os sons que vem por esse tato a ofuscam, algo típico da visão. É um processo sinestésico de três fases e não meramente duas como é o mais comum. Não é meramente uma cor que tem cheiro mas a sensação táctil de um som que ofusca.
E tal sinestesia é um forte elemento constitutivo da leveza nesse conto tal como Calvino explicita ao exemplificar o paradoxo da Cabeça da Górgona carregada por Perseu. Que por seu enorme poder se deve deixar escondida sendo reservada apenas aos inimigos mais terríveis. E no contraste gritante entre sua força e fragilidade fazendo com que o herói tome sempre um enorme cuidado em seu trato para que ela não pereça.
Após a aparente resolução do conflito do conto (a característica básica de um conto é a existência de um único conflito principal conforme Nádia Batela Gotlib em seu livro Teoria do Conto) o conto como se fosse um mito ou um conto de fadas adquire um elemento cíclico e poético ao anunciar no sucinto parágrafo seguintes (aos moldes do parágrafo que abre o conto) “Surda, porém, Otília não falava”.
O leitor se deixa pegar de surpresa nesse trecho, é uma reviravolta no conto. Dentro do mesmo conflito se coloca uma nova face aparentemente impensada até então, mas novamente de uma simplicidade espantosa. Afinal Otília também era muda. O parágrafo seguinte reforça o caráter mito-poético da obra, evidenciando o ciclo reconstruindo o segundo parágrafo sob a nova perspectiva de Otília.
“Ele”, mesmo sem nome recebe a incumbência do desfecho do conto. Em um desespero causado pela incomunicabilidade da amada se desespera e também “em doce fúria” crava os dentes no ombro dela. Em seu branco e puro ombro. Seus dentes só começam a ouvir “a cadência suavíssima do pulsar do som da amada” quando ele consegue a alcançar em toda a sua profundidade.
Se encerra o conto, com um desfecho apontando para o aprofundamento no insondável para que haja alguma chance de completude na comunicabilidade. Deixa fortemente a necessidade da comunicação, da transmissão da experiencia. Não bastando o amor por si só mas seu compartilhamento profundo e completo. Como Benjamin explica ao dizer que para a transmissão da experiencia se faz necessário um distanciamento, um aprofundamento.
No conto de Marina Colasanti tal distanciamento se dá pelo aprofundamento dos dentes sob a carne e o pinho, para além da superfície penetrando e alcançando o cerne onde o indizível é comunicado independente da surdez e da mudez do ser humano que não mais consegue se comunicar. Colasanti, de ascendência e formação italiana compartilha com Calvino de tal solução para a incomunicabilidade e a perda da arte de narrar da qual Benjamin alerta no início do século vinte.
Tal incomunicabilidade, tal deficiência ficam bem claras no soneto de Florbela Espanca. Onde a voz lírica só enxerga a beleza na paixão que o amado tem por sua paixão e no próprio amado. Não se comunicam, não são unos em seu discurso. Dispares em suas paixões e desejos. Presos e incomunicáveis, sem qualquer solução possível pois aceitam e compartilham de um contentamento descontinuo e díspar como fica bem explícito nos tercetos finais:
“Eu olhava para ti... “É lindo! Ideal!”
Gemeram nossas vozes confundidas.
- Havia rosas cor-de-rosa aos molhos –
Falavas de Liszt e eu... da musical
Harmonia das pálpebras descidas,
Do ritmo dos teus cílios sobre os olhos...”
A voz se contenta com a incomunicabilidade irresoluta de seu tempo, com a impossibilidade de se compartilhar e narrar a própria experiencia e faz disso uma beleza trágica e completa. O Soneto de Florbela traduz magistralmente o sentimento que Benjamin tinha ao encarar sua sociedade européia no pós primeira guerra mundial. Contemporâneos, mesmo que desconhecidos entre si, capitaram bem o espírito de sua época: Ele discorrendo sobre tal em sua filosofia estética e ela se primando na poética clássica e tornando tal incomunicabilidade uma obra de arte.
ANEXOS
Concerto de silêncio, para duas vozes
Marina Colasanti
Surda era Otília.
Não ouvia as palavras de amor que ele dizia. Não ouvia as músicas de amor que ele cantava.
Deslizava os dedos sobre a boca do amado. E nada. Encostava o ouvido no violão. E nada. Nem som nem vibração chegavam até Otília.
Trancada no silêncio, sofria sem encontrar saída. Até que um dia, tomada de doce fúria,
cravou os dentes no pinho que ele dedilhava. E penetrando pelos dentes, fluindo pelos
ossos, infiltrando-se debaixo da pele, o som varou enfim, ofuscante, a cabeça de Otília.
Surda, porém, Otília não falava.
Não dizia do amor. Não dizia das músicas que agora lhe chegavam.
Afastado pela mudez, sofria ele em busca de saída. Que encontrou ao cravar os dentes, em
doce fúria, no branco ombro de Otília. Percorrendo os dentes, deslizando pelos ossos,
impregnando toda a pele, ouviu a cadência suavíssima pulsar do som da amada, que enfim
lhe chegava.
Tarde De Música
Florbela Espanca
Só Schumann, meu Amor! Serenidade…
Não assustes os sonhos…Ah! não varras
As quimeras…Amor, senão esbarras
Na minha vaga imaterialidade…
Liszt, agora o brilhante; o piano arde…
Beijos alados…ecos de fanfarras…
Pétalas dos teus dedos feitos garras…
Como cai em pó de oiro o ar da tarde!
Eu olhava para ti…”é lindo! Ideal!”
Gemeram nossas vozes confundidas.
– Havia rosas cor-de-rosa aos molhos —
Falavas de Liszt e eu…da musical
Harmonia das pálpebras descidas,
Do ritmo dos teus cílios sobre os olhos…
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Obviedades
Co'ela eu descobri
muito de mim mesmo
que não podia imaginar.
Descobri verdades
óbvias que eu me
recusava a enxergar.
Descobri até mesmo
que feliz ao lado
dela eu posso ser.
Que existem verdades
além dos pesadelos
e sonhos ruims.
Descobri que posso
viver e saciar
toda minha fome.
Que eu posso até
me sentir completo
e também em paz.
Descobri o prazer
de lhe acariciar
e ver em seus olhos
e pensei que eu
no brilho que jamais
trocaria num olhar.
Cúmplices? Creio
que é só o começo...
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
Você
Diga quanto de você
deixou ficar para trás?
presa nas minhas narinas
ou sobre minhas retinas
Diga quanto de você
deixou ficar para trás?
por todos os meus lugares
em todos os meus pares
Em um posto do correio
ou numa praça esquecida
se deixou ficar presente
faz parte do meu asseio
limpar lhe da minha vida
mas não sai por mais q'eu tente
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Nunca leia Kafka
Ando meio sociopata
Mui recluso sem diálogo
Pois exceto co'a barata
que me corroi o decálogo
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Em sépia
são serpentes e punhais
numa cidade vazia
são suspiros e postais
na parede de sophia
sábado, 29 de novembro de 2008
O Pianista (revisado)
Desde o dia que o pianista falhara em sua primeira exibição, frente toda a Corte; culpara, terrivelmente, sua mão direita. Afinal, fora ela que tropeçara, amargamente, frente ao público tão exigente.
Sua mão errara naquele momento crucial, transformando um Fá sustenido em um dissonante Sol natural. Ele soubera, imediatamente, que todos os ouvidos do ambiente haviam sido feridos. Mas, complacentes com sua inépcia, o aplaudiram em patente e jocosa cordialidade falseada.
Tudo culpa da sua maldita mão direita! Que até então sempre fora sua favorita, que tudo pegava, apalpava, escrevia e fazia. Não confiava mais nela; pois ela poderia novamente vacilar. Reaprendeu: a escrever, a escovar os cabelos, a fazer todas as suas necessidades, de abrir portas até atar e desatar os nós de seus sapatos.
Em toda a sua dor sentia-se inútil, o piano não poderia mais tocar, pois não poderia jamais perdoar aquela tratante; que tanto o decepcionou depois de tantos anos que lhe prestou prioridade, cuidados e carinhos. E como se sentia culpado por nunca ter dado um melhor préstimo à sua fiel mão esquerda; que mesmo relegada ao descrédito nunca havia deixado de cumprir com o seu dever.
Não podendo mais tocar; logo seria preterido, naquela competitiva corte do príncipe regente, caso não dominasse outra arte. Não tinha, porém nenhum dom para os pincéis ou para outros instrumentos: flauta, violino, violoncello; que não tinham a mesma imponência e importância do piano. Além de também serem todos dependentes da impossível reconciliação com sua pérfida e vil mão direita.
Mas havia a arte da esgrima; uma arte que até praticara em seus arroubos de juventude. Era, à época, apenas bom e não o melhor, sendo sempre vencido pelos movimentos imprevisíveis daquele canhoto de cabelos vermelhos. Pois assim, redimindo-se com sua honesta e correta mão esquerda, empunhou novamente o Florete que há tanto jazia empoeirando e com afinco tornou-o uma extensão de sua mão fiel e certeira.
Guardando a amarga lembrança das lutas com a mão direita, sabia, exatamente, onde o seu oponente estaria no próximo momento. Assim com sua habilidade rara venceu, após anos de prática dedicada, obstinada e decidida, inúmeros duelos e torneios em terras próximas e também em outras distantes, algumas até mesmo além-mar.
Com os seus novos sucessos teve o almejado reconhecimento e assim chegou novamente às honrarias da corte e ao exibir-se para sua Rainha e Rei colocava-se à posição clássica exibindo sua mão esquerda ao florete e escondendo em suas costas a indigna mão direita.
Naquela corte, depois de tantos anos passados, não mais se recordavam de sua face. Não reconheciam, naquele esgrimista hábil, o promissor pianista de outrora. Mas entre os tantos artistas daquela corte, de talentos tão diversos quanto fantásticos, havia uma compositora de Ópera , Violino e Piano que desde o primeiro instante o reconhecera.
Não por sua face agora séria e amadurecida, mas por sua bela mão que ele tão despropositadamente parecia querer ocultar. Sim, pois se havia algo que ela apreciava mais do que uma sonata bem composta ou uma peça grandiosa era a harmonia dos dedos, ossos e falanges de mãos belas e bem cuidadas. Tinha em seu quarto uma coleção delas bem guardadas, dentro de um baú reforçado e trancado, em seus respectivos potes embebidos ao rum.
A compositora, ao notar aquela mão escondida atrás do tal esgrimista, se perguntava o porque dela estar tão mal cuidada e tão distante da beleza que já tivera, revoltando-se com tal desleixo para com uma mão tão preciosa. Mas, não obstante a tal fascínio, estava curiosíssima para saber do porque do seu inexplicável desaparecimento, naqueles tempos onde Vossa Magestade ainda era Regente; afinal, sumira depois daquela inspiradora tarde de música, onde conduzira magistralmente suas mãos encantadas sobre o piano.
domingo, 9 de novembro de 2008
A Máquina
terça-feira, 14 de outubro de 2008
Restos
Primeiro vou celebrar
tudo que restou de mim
entre o penhasco e o mar
com as asas de marfim
Primeiro vou lhe guardar
pedaço e pedaço assim
sangrando n'algum lugar
que inda chora nosso fim
minhas asas já não são
tão belas quanto lembras
ou macias como sentiu
hoje asas de camaleão
de couro remendo e dobras
como meu eu triste e vil
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
Pois seus beijos nunca foram sinceros
Após nosso para sempre
nada foi que me restou
eu queria a verdade ou
ser feliz eternamente?
Minha boca inda inocente
sabor amargo provou
Eu não sei quem mais errou
quem acredita ou quem mente
Com nosso sonho o que faço?
Como sonhar tão sozinho?
Como não mais lhe querer?
Sem você sou só pedaço
Em meu pesadelo daninho
indo aos poucos me perder
terça-feira, 16 de setembro de 2008
Canalha
Para elas vou fazer a Poesia
mais Bela que sequer Camões fazia
Versos sordidamente Lapidados
para ver seus olhares Encantados
Mestre nos Poemas de Galanteria
que consquistará a boca mais macia
por meus Versos nos pequenos recados
corpo e coração são Arrebatados
Escrevo com Heroismo das espadas
das penas, capas, lenços e chapéus
não mando flores mas prometo céus
Me encanta moças tão Apaixonadas
perguntando: "Seus versos são pra mim???"
Só posso responder sincero: "Sim!"
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Doce Garotinha
A doce garotinha, vestida em um vestido rodado e branco, tem os cabelos penteados e de lindos cacheados. Ela tem os seus olhos amendoados de um azul elétrico e violáceo, mas tristes e marejados.
A doce garotinha, em um salão amplo e vazio, está amargamente sozinha, com seus pés descalços sobre o mármore frio. Ela, com sua pequenina mão, manchando o chão com seu lento gotejar tão vermelho, segura trêmula uma faca pelo fio.
A doce garotinha apenas chora e mordendo uma raiva tamanha que machuca seu lábio tão macio.
terça-feira, 9 de setembro de 2008
O Pianista
Sua mão errara naquele momento crucial transformando um Fá sustenido em um dissonante Si bemol. Ele soubera, imediatamente, que todos os ouvidos do ambiente haviam sido feridos. Mas, complacentes com sua inépcia, o aplaudiram em patente e jocosa cordialidade falseada.
Tudo culpa de sua maldita mão direita! Que até então sempre fora sua favorita, que tudo pegava, apalpava, escrevia e fazia. Não confiava mais nela, pois ela poderia novamente vacilar. Reaprendeu a escrever, a escovar os cabelos, a fazer todas as suas necessidades, de abrir portas até atar e desatar os nós de seus sapatos.
Em toda a sua dor sentia-se inútil, mas o piano não poderia mais tocar, pois não perdoaria jamais perdoar aquela tratante que tanto o decepcionou depois de tantos anos que lhe prestou prioridade, cuidados e carinhos. E como se sentia culpado por nunca ter dado um melhor préstimo à sua fiel mão esquerda que mesmo relegada ao descrédito nunca havia deixado de cumprir com o seu dever.
Não podendo mais tocar logo seria preterido naquela competitiva corte do Rei caso não dominasse outra arte. Não tinha, porém nenhum dom com os pincéis e outros instrumentos flauta, violino, violoncelo não tinha a mesma imponência e importância do piano. Além de também serem todos dependentes da impossível reconciliação com sua pérfida e vil mão direita.
Mas havia a arte da esgrima, uma arte que até praticara em seus arroubos de juventude. Era, à época, apenas bom e não o melhor, sendo sempre vencido pelos movimentos imprevisíveis daquele canhoto de cabelos vermelhos.
Pois assim, redimindo-se com sua honesta e correta mão esquerda, empunhou novamente o Florete que há tanto jazia empoeirando e com afinco tornou-o uma extensão de sua mão fiel e certeira.
Guardando a amarga lembrança das lutas com a mão direita, sabia exatamente onde o seu oponente estaria no próximo momento e com sua habilidade rara venceu, após anos de prática dedicada e centrada, inúmeros duelos e torneios em terras próximas e também em outras distantes.
Com os seus novos sucessos teve o almejado reconhecimento e assim chegou novamente às honrarias da corte e ao exibir-se para sua Rainha e Rei colocava-se à posição clássica exibindo sua mão esquerda ao florete e escondendo em suas costas a indigna mão direita.
Na corte ninguém mais se lembrava dele, exceto uma bela Dama, que compunha óperas e apreciava mãos, que reconheceu aquelas belas mãos do misterioso pianista que sumira depois de uma espetacular exibição.
Com os seus novos sucessos teve o almejado reconhecimento e assim chegou novamente às honrarias da corte e ao exibir-se para sua Rainha e Rei colocava-se à posição clássica exibindo sua mão esquerda ao florete e escondendo em suas costas a indigna mão direita.
Naquela corte, depois de tantos anos passados, não mais se recordavam de sua face. Não reconheciam, naquele esgrimista hábil, o promissor pianista de outrora. Mas entre os tantos artistas daquela corte, de talentos tão diversos quanto fantásticos, havia uma compositora de Ópera e Piano que desde o primeiro instante o reconhecera.
Não por sua face agora séria e amadurecida, mas por seu bela mão que ele tão despropositadamente parecia querer ocultar. Sim, pois se havia algo que ela apreciava mais do que uma sonata bem composta ou uma peça grandiosa era a harmonia dos dedos, ossos e falanges de mãos belas e bem cuidadas. Tinha em seu quarto uma coleção delas bem guardadas, dentro de um baú reforçado e trancado, em seus respectivos potes embebidos ao rum.
A compositora, ao notar aquela mão escondida atrás do tal esgrimista, se perguntava o porque dela estar tão mal cuidada e tão distante da beleza que já tivera, revoltando-se com tal desleixo para com uma mão tão preciosa. Mas, não obstante a tal fascínio, estava curiosíssima para saber do porque do seu inexplicável desaparecimento; afinal, sumira depois daquela inspiradora tarde de música, onde conduzira magistralmente suas mãos encantadas sobre o piano.
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Alice
Despertou com todo seu corpo alquebrado; um mal estar terrível lhe subia pelo amargor salgado que habitava sua boca. Não tivera sonhos, mas ainda remoia seu triste destino. Tudo que queria era desaparecer, mas abriu o chuveiro e, ao cair das águas mais cálidas, aconchegou-se novamente. Reconfortada, misturou nas águas suas próprias mágoas.
Terminado o pranto e o banho, sentou-se à penteadeira para seus cabelos escovar e, sob o seu reflexo, pôs-se a refletir sobre si mesma, refletir sobre ele, refletir sobre o que acontecera, refletir sobre o que os outros achariam, refletir sobre o futuro, refletir sobre sua vida, refletir sobre tudo que pudesse ser refletido. Refletir. E, em meio a suas reflexões, não teve dúvidas e refletidamente tornou-se espelho.
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Pequenos Luditas
Talvez um colo? Nem pensar! Era tempo demais! E todo o tempo era contado. Tudo o que diziam, com seus conta-tempo em mãos, era: "Hora de comer; Hora de estudar; Hora de dormir e de acordar!"
Mas numa noite, eles, todos juntos, desobedeceram e ficaram acordados até bem tarde. Tão tarde que todos sabiam que era hora de estarem na cama. Eles haviam bolado um plano fabuloso e perfeito.
Cada um pegou todos os conta-tempos pequenos, sileciosos, brilhantes, novos, velhos e médios que encontrou, parando em frente ao maior e mais barulhento que achou. Com a primeira das doze badaladas começaram juntos a martelar por toda a cidade.
Nota
Ludita: Movimento Operário da Revolução Industrial Inglesa que invadia as fábricas cujo os donos dimunuiram os salários ou demitiriam funcionários por causa da implantação de máquinas. Em protesto os Luiditas quebravam essas máquinas por roubarem seus salários e empregos.
domingo, 31 de agosto de 2008
Pela puta cara
Tudo o que disser
não lhe compromete
Faça o que quiser
mas me compra e mete
Trova
Coitada da poesia,
por favor, deixe-a livre
desses pesados grilhões
de sua falsa liberdade
Ébria composição
Através, da fumaça cinzenta,
do conhaque marrom, lhe contemplo
e ela tão solitária se senta
pra sorver seu café a conta e tempo
Sua presença que já me atormenta
e a fumaça carrega plo vento
as delícias que a pena me intenta
murmurando-lhe meu triste alento
Quando lhe vi deixar eu não pude
de notar sua tez tão mais macia
que a mais doce das notas do alaude
palpitar de seu peito: harmonia
intocável por minha mão rude
incapaz para tal sinfonia
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
Apenas por diversão
Pois plante uma bicicleta
e pedale uma floresta!
Tranque chave na gaveta...
e peça o que não se empresta.
Pois desenhe torto a reta:
que Dez a burrice atesta!
Sê roto em roda seleta...
e faça do luto festa!
Apenas por diversão;
roube o doce do ladrão
do senador e da criança!
Desmarque todo o baralho...
Espante até o espantalho,
convidando-o pra esta dança!
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
Análise Filosófica do conto “Três Sonhos” do livro: “O Senhor Calvino” de Gonçalo M. Tavares
(clique na imagem para ver o conto legível)
No primeiro conto vemos um Calvino obstinado e perseguidor dos seus objetivos. Encarando seus reveses "sem pensar", ou seja, sem hesitação e com uma certeza de quem está seguro de seus atos. Jogando-se frente uma situação aparentemente absurda que lhe foi imposta com maestria e firmeza. Calvino joga-se pela janela, trinta andares acima do solo, pois através dela foram jogados os objetos constituintes de sua personalidade, seus símbolos de poder. Para Calvino, os sapatos e gravata bem alinhados equivaleriam à capa e espada bem cuidadas de um mosqueteiro ou o chapéu e revólver de um Cowboy no Velho Oeste. São o que o torna preparado para enfrentar seu destino. Mas não se trata apenas de vestir seus trajes, Calvino o faz com maestria e obstinação. Seu nó é um nó de dedos certeiros. Mesmo falhando ao calçar o pé esquerdo, não desiste, e antes de chegar já tem os sapatos com os atacadores bem apertados. Ao fim de sua jornada Calvino chega impecável, realizado.
Com a mesma presteza Calvino age ao se deparar com a Borboleta. Em grego, Borboleta é Psyche, que também significa alma, sendo usada desde muito como símbolo para libertação, transcendência e transmutação. Calvino reconhece nela algo de precioso e por isso mesmo se apressa em fechar a janela para não deixá-la escapar. Da mesma forma com que nos concentramos mais quando um lampejo nos indica o caminho para a resposta de um problema que há muito nos atormenta. Calvino acompanha o vôo da borboleta, observando-a de longe, observando-a tocar seus diferentes desejos e problemas: de seu desejo pela mulher de minissaia, de seu mundano interesse pelos números (números estes que aparecerão mais fortemente no terceiro sonho) e por fim chegando perto do bife cru, da carne que ele espanta com veemência, como se tal pudesse macular a Borboleta-Alma.
Seus esforços são recompensados e a Borboleta adentra por sua orelha esquerda. Sim, pelo lado esquerdo de seu corpo, conhecido pela ciência moderna como o lado responsável pelas sensações e emoções e antigamente associado ao mistério, místico e sinistro. Quando essa alma, que tanto perseguiu, se une à de Calvino ele se sente completo, íntegro e saciado. Com todas as respostas aos seus questionamentos, já pensado, resolvido e realizado. Depois de tamanha perseguição, de passar por provações, finalmente encontrara seu momento derradeiro. Calvino encontrara seu momento de êxtase, seu instante de maior felicidade. Mas desperta por não dar conta de tamanha completude e felicidade que a revelação da verdade proporcionava. No entanto, resta-lhe uma dor de cabeça que não passa como se não passasse para lembrá-lo do que vivera.
Diferentemente dos dois sonhos anteriores, Calvino começa esse de fora da situação que ele mesmo se encontrava, custando a perceber que falavam de números, percentagens da venda de petróleo. A sensação ruim que existia no final do segundo conto persiste, transformada agora na estranheza da sensação de estar dentro do estômago de uma Baleia. Pela primeira vez Calvino começa a se dar conta do mundo, percebe com estranheza como todos falavam de percentagens e percebe como ele, mesmo depois de se afastar da discussão com seu sócio, não conseguiu se desvencilhar desses números. Esse terceiro sonho é um despertar propiciado pela Borboleta. Depois do segundo sonho Calvino percebe a pressa, os números e todo o sistema da cidade dentro dessa grande Baleia.
Os três sonhos mostram momentos distintos da vida de Calvino sendo o primeiro seu quotidiano, o segundo seu rompimento e o terceiro seu novo dia com os questionamentos suscitados pelo rompimento. Calvino sai do primeiro sonho realizado ao conseguir seus objetivos, chega impecável ao chão, preparado para sua labuta diária. Já no segundo, apesar de sua realização ser incrivelmente maior, termina com o mal estar de não ter dado conta de tal. E por fim chega o terceiro conto, onde a revelação se depara com seu quotidiano e o faz perceber o que lhe causa náusea. Os três sonhos juntos formam o conto, a sua evolução pessoal. Não podendo ser lidos isoladamente, mas sim, como um conjunto de instantes particulares e interdependentes.
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
Elogio
E que nunca experimente,
porque se experimentar
não deixará de querer
aprecia-lo novamente...
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
Sonetilho II
Pois todos os dias eu travo
uma batalha sem fim
Sendo às Palavras escravo
do que Elas querem dizer
Sendo sempre torto e bravo
no que dizem para mim
Pois meus dedos nunca cravo
no que dizem pra você
Sendo sempre o mais ávaro
em sabê-los tal qual e assim
pra cada Letra entender
Pois Versos eu ainda gravo
nessa torre de marfim
pra vê-los resplandecer
domingo, 17 de agosto de 2008
Tempestade
Depois de por todo o mundo
soprar numa busca perdida
até no abismo mais fundo
procurara sua querida
Entrou num bosque profundo
de tais belezas escondidas
e pelo vale fecundo
encontrara as esquecidas
O Vento dançou co'as pétalas
inebriado plo perfume
doce e saboroso delas.
Pois eram flores mais belas
que semearam seu gume
na tormenta de quimeras
sábado, 16 de agosto de 2008
Ele
Fabulosamente insípido,
era o seu melhor beijo...
Mas pelo seu olhar, límpido,
atiçava o maior desejo.
E terrivelmente ríspido,
o seu carinhoso ensejo!
Era de todo perdido
mas também tinha vicejo!
Regara pura indolência
nos campos que passara:
puro, descalço e desnudo!
Fizera assim sua indecência
nas mil camas que deitara
num gozo eterno e absurdo!
quinta-feira, 14 de agosto de 2008
menininha
menininha, menininha
tão inocente a me sorrir
que tu saiba serás minha
muito tenho a lhe bolir
menininha, menininha
vou lhe botar pra dormir
não ficarás mais sozinha
muito tenho a lhe bolir
menininha, menininha
não tens mais porque chorar
menininha, menininha
tens meu colo pra deitar
menininha, menininha
tens toda noite a mamar
terça-feira, 12 de agosto de 2008
sábado, 9 de agosto de 2008
Vaidosa
Ela não sabia, porém que material usaria para tamanho feitio que tanto desejava. Se importadas seriam as sedas das terras que, de tão longínquas, falavam como se sempre cantassem...
Pois sonhara com seu brilho, sua tanta maciez tão fria, que toda lhe arrepiava, mas acordava com dúvidas. Tinha também o velho tecelão que fornecia há muitos e muitos anos um acolhedor veludo. O melhor que já cobrira sua pele alva e macia. Também vestido nobres damas para os bailes da corte.
Depois pensou no couro, dos animais mais exóticos vindos dos reinos do sul, durável e protetor. Que perduraria por tempos, seria a sua obra de arte, que vestiria para encantos de todos os que lhe vissem.
Mas despertara também um ciúmes tão estranho, um medo que o perdesse. Pior quando se ela fosse decerto que herdariam seu trabalho mais valioso, outras tantas vestiriam. seu maior trabalho e seduziriam com sua criação. Pois então não teve mais dúvidas.
E com as mais belas linhas bordou em sua própria pele os mais bonitos detalhes que nunca, jamais, bordara. Foram seus próprios ossos, puxados com toda precisão, que se alinharam para sua nova e perfeita forma.
Nota: É um rascunho, não está do jeito que pretendia, está incompleto, falho precisando de muitos ajustes. Sobrando coisas, faltando outras tantas. Longe de estar sequer aceitável. Agradeço as sugestões
terça-feira, 29 de julho de 2008
Amargo Vazio
Meu rancor é tanto frio quanto cálido
Amargo tal um beijo calculado
e doce como a bela anis roubada
sem riso ou tristeza acalentada
Pouco me importa qual o meu estado
sem pensar quanto é certo ou errado
Eu não lamento tal vida alquebrada
quando se esvai minh'alma acorrentada
Insônia não é mau em companhia
quando bem juntos meu temor se esvai
deixando para trás qualquer cobrança
Insônia não é mau em solidão.
Quando ficar calado nada atrai
e a madrugada passa sem lembrança
Sr. Personna
Desesperado a saber caro amigo!
que passos anda nossa vil vontade?
Tu terias esse tal saber contigo
diga-me, pelo menos por vaidade!
O teu silêncio é algum castigo!
sabes se me ouvem nesta sua cidade?
Diria-me porque teus passos eu sigo?
já não nos restará qualquer verdade...
Sr. Personna, o que trazes pra mim?
traz-me um contento ou pesar sem fim?
Sr. Personna, o que trazes pra mim?
traz mentira ou boato alegre assim?
Sr. Personna, o que trazes pra mim?
traz-me agora um sonho bom ou ruim?
segunda-feira, 28 de julho de 2008
Tarde de verão
Efebo dos cabelos tão macios
Ninfa desnuda nada pelos Rios.
são companhias dessas melhores graças
após o bosque de apreciadas caças...
Flores e flautas surgem plos Estios,
Carícias com cuidados, muitos brios,
Divinos frutos, suculentas massas...
do odre tão raro três servidas taças
Doçuras d'um hálito juvenil,
tal Brisa do deus Zéfiro aos lábios,
perdem qualquer razão até os mais sábios
dos belos corpos são calores mil,
entre suspiros, relva tão macia...
afinal, cada taça está vazia.
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Literatura Potencial
Flerto hoje com o movimento Oulipo
pois não direi que nele eu acredito
mas que talvez tenham a solução
para livrar-me desse vil grilhão
É no seu paradoxo q'eu insisto
num casamento tão perfeito e quisto
abocanhando as normas com paixão
frutos de liberdade nascerão
velho Parnaso até o Sr. Drummond
escolherei o mais afinado som
dos de Concreto até meu fiel Bilac
desonrarei jamais versando araque
luzes eternas da inspiração da vela
serão Augusto e a bela flor Florbela
terça-feira, 22 de julho de 2008
Sátiro
Olhos violaceamente tão injetados
incréu à tal fada que lhe sorri...
Sátiro co'a flauta de mil bordados,
em cada nota um naco da de si!
Vai pelo ar na presteza dos alados:
convida sáfico igual colibri!
Na sedução de ardores, mil cuidados...
pelo rubor da Fada, Ele se ri!
Quando co'a flauta vem seu belo canto,
dando-lhe beijos sem qualquer aviso...
roubados, mui bem dados por vaidade!
Chegando a noite a lhe servir de manto,
pois nela o seu maior pranto é de riso
por actos em ausente sobriedade...
domingo, 6 de julho de 2008
Nobre tecelão
Artesão vem tecendo pensamentos,
tem, pelo fiar, os dedos calejados...
Cada trançar desfia dos mil tormentos,
nos olhos míopes muito fatigados.
Seu tear em sinfonia tocando os ventos;
ao soar, novelos são assim trançados...
os fios serão tingidos nos momentos
pelos desejos bem acalentados.
Numa cortina d'um sutil bordado...
Deita em seu leito envolto na penumbra,
entre lençóis q'outrora pra si fiou.
Tem o seu sonho mais vazio velado,
mas sem que nunca alguém sequer descubra
d'um sol vermelho que num dia sonhou...
sábado, 5 de julho de 2008
Singela Trova
Detrás d'orelha um afago
Com o meu melhor carinho
uma flor e um verso trago
pra ninguém ficar sozinho
quinta-feira, 3 de julho de 2008
A minha adorável turba
São risos e mais risos, todos sorridentes!
Calem-se! Vocês são uns imbecis contentes.
Lágrimas e mais lágrimas, todos aos prantos!
Parem! Sabemos que entre nós já não há santos.
Loucuras e Loucuras mais, todos dementes!
Aquietem-se! Seus juízos estão ausentes.
São Vozes e mais vozes, ecoam pelos cantos!
Falem! E Digam-me os porquês desses encantos
Percam-se! Por entre essas vozes distorcidas.
Seres d'almas vazias e pensamentos pequenos!
São razões iludidas, homens em seus postos.
Esqueçam-se! Destas aspirações decaídas.
Seres de sangue ralo e de sonhos amenos!
Perdidas ilusões, homens apenas mortos.
segunda-feira, 30 de junho de 2008
Sua admirável Loucura
Co'a posse d'uma lâmina tão cega,
vão é ferir suas mãos torpes e frias!
Quando foge da morte e sua luz nega...
sua Louca: dance por vielas vazias!
Esse belo jardim sem flores rega;
criando poças que não secam por dias...
Seu punhado de areias vermelhas pega,
põe-se a gritar por todas cercanias!
Tal quando vai a despetalar espinho;
a lhe ferir o rosto, boca e mãos.
Pois sua dourada chave do moinho
fora roubada por seus vis irmãos!
Seu olhar tão doce quanto o melhor vinho,
causa medo além d'espanto aos mais sãos!
segunda-feira, 23 de junho de 2008
Lições III
Aprenda: nem tudo são descaminhos,
porque também virão viciosos vinhos.
Afinal nem o mundo é só impureza...
também sortida há qualquer malvadeza!
Saiba, pois nem tudo serão espinhos...
há ferrões nos melhores dos caminhos!
Pois que nem tudo é sempre uma tristeza,
sobra também a fome e algoz pobreza!
Pequena, são mazelas da virtude!
assim mui digna de quem só o bem faz...
Contrário a quem bebe por sua saúde...
pra se gozar como melhor lhe apraz!
dos que infligem tormentos amiúde...
sem a piedade d'um segundo em paz!
sexta-feira, 13 de junho de 2008
Zero-Amor
Ambos Bêbados Caminhavam Desolados
Ainda Baixava o Crepúsculo Dolorido
Embalados Faziam Gracejos Horrorosos
Enciumados Fizeram-se Gratos, Honrados
Insensíveis Jogaram-se à Lama Marrom
Inseparáveis Jaziam Lânguidos, Mordazes
Numa Opulenta Perversão Quotidiana
Naturalmente Ordenada Pelo Querer
Revelaram-lhes, Sensualmente, Taras Últimas
Vorazmente Xoxotas Zunindo Azulmente
Braulios Comedores Deleitados Enfim
Rejeitando Sanhaduras Tão Usuais
Velhacas Xícaras Zelaram Absorvidas
Bebiam-se Carregando Desfrutes Enfáticos
sexta-feira, 6 de junho de 2008
Valiosa
Ela foi, sem menor dúvida, meu maior sonho já feito e quando terminei sabia que era um trabalho perfeito. Não sei bem porque, mas não lhe convinham olhos de verdade, em sua face de fada incrustei duas pedras de jade.
Tinha lhe feito com as curvas mais delicadas e uma boca tão rubra quanto bem tracejada. Entre os lábios uma língua muitíssimo apurada e a tez ao menor toque ou roçar estava eriçada. Ouvia o bater de meu coração mesmo nos instantes de calma e quando eu nervoso ouvia o gritar de minha alma. Do meu chegar sabia de longe pelo olfato tão apurado e para ela sempre estaria encantadoramente bem perfumado.
Nunca me vira e nem podia sequer admirar a sua própria beleza que fora tecida por mim. Mas seus olhos eram de jade! Como eles lhe caiam perfeitamente com sua profundeza sem fim...
Ela a cada toque mui deliciosamente gemia, soando-me como a mais bela e formidável sinfonia. Sua voz tão doce e delicada foi, por mim, perfeitamente afinada. Dela eram as melhores carícia qu'eu recebia em toda minha vida e também ela rapidamente os pontos mais sensíveis descobria. Por mim cada gesto fora ensinada e nos toques de amor tornou-se requintada.
Adormecida seus olhos beijava, as frias pedras eram nela sempre cálidas. Nos seus olhos de jade nunca havia lágrima ou tristeza, somente a felicidade de Rei e Princesa.
terça-feira, 3 de junho de 2008
Minha Amada Princesa
Seria um crime dizer de sua beleza!
e seus gestos até as fadas encantam!
Nela tenho toda calma e certeza,
lhe contemplo e meus desejos vicejam...
Debaixo do dossel bela princesa,
com seu perfume meus medos se espantam!
Eu lutaria contra toda realeza
e contra todos os que lhe maldigam!
Minha amada sorri como se deita
tão lânguida e suave num suspiro...
é minha musa mais que perfeita!
A beira do seu leito lhe admiro
enquanto o corpo inteiro ela se enfeita,
fitando-me não vivo nem respiro!
segunda-feira, 26 de maio de 2008
O parnaso contra ataca II
Que se exploda o politicamente correto!
enfiar no papa um dedo no seu santo reto!
Já cansei do lirismo assim tão comedido,
que liberto não tem nada mais de atrevido!
Convenhamos que nada de errado ou certo...
há na vã poesia de tal falso liberto!
Nesse seu versejar velho e tão combalido,
falta d'algo mais velho pra ser revivido!
faça-me algum soneto...não és capaz?
versos seus tortos eu faço tão bem e assaz...
mais cuidadosamente sonoro e pungente!
Eu sei, sou dessa vil pretensão tão tamanha...
que sequer vai sonhar sua pequena e má sanha!
Pois acusa retrógrado? Sou exatamente!
sexta-feira, 23 de maio de 2008
O Parnaso contra ataca
Eu digo adeus à poesia de gaveta
com tantos dos seus versos tão disformes
Todo meu versejar não é gorjeta
Para que viva dentro dos conformes
Porque não há metro que lhes perverta
meus sentimentos vívidos e enormes
é natural que nas regras me verta
d'algum pensamento que encha ou entorne
Quero ver se tua tão vã liberdade
me provoca a menor saciedade
ou mesmo umas migalhas d'alegria
Diga-me pois onde está teu prazer
que ali também irei lhe perverter
pelo som da mais bela simetria
domingo, 18 de maio de 2008
Goticismo
Dulcíssima solidão
tão doce como um limão
que cultivo com carinho
no prazer de estar sozinho
terça-feira, 13 de maio de 2008
O Reinado
Tomava notas de todas as suas estratégias num pequeno caderno vermelho: cada movimento de seu exército que conseguisse reunir um destacamento inteiro ou senão uma tropa minguada.
Descreveu como se esconderiam nas montanhas escarpadas ao leste do palácio real, para depois descerem margeando o rio até os portões da cidade ou como atacariam durante a lua nova para que a escuridão lhes servisse de abrigo.
Escreveu também da honra e glória dos vencedores, todo o ouro e títulos que daria aqueles que se continuaram ao seu lado, mas, também descreveu nos pormenores da humilhante vergonha daqueles que derrotara com suas estratégias, inteligência e artimanhas.
Contou como tendo conquistado de volta o castelo; contou dos grandes bailes, onde as damas e cavalheiros do mais alto berço de todo o continente seriam convidadas, e dos festejos, enormes com banquetes de manadas e bandos inteiros abatidos para saciar a fome de todo o reino, em honra de sua vitória (comemorações que seriam repetidas, sempre à data da última batalha de reconquista, ano após ano) e então governou, no caderno vermelho, com justiça fazendo seu reino prosperar e crescer.
A intriga da corte lhe divertiria, jogando com as nobres damas e imponentes cavalheiros seus boatos, amores e influências. Mantendo-se sempre no poder com mão firme e gentil. Mas também seria ele protetor e financiador de poetas, músicos, escultures e pintores que lhe fariam enormes homenagens. Ele teria seu busto esculpido, pintado e descrito em todas as formas de artes.
Mas depois de alguns anos sentiria-se só e tomaria como sua rainha a princesa mais bela do Reino do Oriente e assim forjar uma nova e forte aliança que combateria os povos bárbaros que habitavam as terras ao sul.
Novamente se preparava para a guerra. Já não era mais tão novo para ir à frente de seu exército, mas agora contava com uma vasta experiência e muitos homens e recursos dispostos e leais à sua coroa.
Entre uma conquista e outra, sua rainha lhe daria herdeiros legítimos que seriam educados pelos melhores padres e cavalheiros de toda a corte. Bem versados nas letras, na fé e na espada, com o passar dos anos estariam lá ao seu lado para lhe auxiliar em suas batalhas e em seu governar.
Tão bons filhos que fariam, com sua sabedoria e força, com que o Reino se tornasse enfim um Império temido e respeitado até nas mais longínquas terras. Junto com eles ergueria um novo Palácio com a mais bela vista de todo o novo Império, construído para caber toda a sua grandeza, teria o melhor mármore vindo das terras onde o sol era mais vermelho, as tapeçarias importadas de todo os mares, salões onde mesmo gigantes se sentiriam confortáveis.
Mas ele saberia que os anos não lhe poupariam para sempre e, já idoso, entenderia que seu fim se aproximara passando então seus últimos meses garantindo que todas as conquistas de sua vida vitoriosa não se desfizessem em meio a intrigas e desavenças.
Seria no meio da primavera, sua estação favorita, que daria seu último suspiro e os funerais durariam até as portas do verão. Reis, príncipes, Xeiques, Aristocratas, Poetas e até a Santa Majestade prestariam sobre seu túmulo homenagens e honrarias, pois seria um homem de fé, um aliado valoroso e um inimigo terrível.
As histórias de seu reinado, suas batalhas e festejos jamais seriam esquecidos para sua glória.
terça-feira, 6 de maio de 2008
Lições II
Saiba, por que nem tudo são espinhos...
há, sempre, ferrões nos seus bons caminhos!
Porque, afinal, nem tudo é tristeza,
sobra também muita fome e pobreza!
Aprenda: nem tudo são descaminhos
que também há os tantos vícios dos vinhos!
Porque nem tudo no mundo é impureza:
há sortida vilania e malvadeza!
Menina, são mazelas da virtude!
Tão próprias de quem somente o bem faz.
Disto de quem bebe à própria saúde...
Para gozar como melhor lhe apraz!
Dos que infligem tormentos amiúde!
Sem dar sequer um momento de paz!